quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

NOITE FELIZ II!


Acordei e preparei-me mentalmente para uma tarefa que eu já previa árdua, mas que, acabou se revelando, dificílima... Comprar os ingredientes finais para a ceia natalina, ou seja, fazer supermercado. Para estacionar, a primeira dificuldade. Nesses momentos as pessoas revelam sua capacidade de autocontrole e generosidade. Após inúmeras voltas pelo estacionamento, quando visualizei a tão sonhada vaga, meu veículo quase foi atingido pelo de uma senhora, aparentando uns sessenta anos, mas tenho de reconhecer... Tinha a habilidade e a ousadia de uma motorista de dezoito. Caso não houvesse freado com força, certamente teria havido uma colisão. Roubou-me a vaga com classe e habilidade. Fiquei alguns minutos recuperando-me e reiniciei o circuito em busca de outra. Não, sem antes, observar pelo retrovisor a vencedora, descer com ar triunfante do carro, cabeça erguida em sinal de desafio, balançando a chave com ar despretensioso. Bom, se fosse depender de minha agressividade, ela que ficasse com os louros da vitória. Aquilo para mim, não era uma guerra. Pelo menos até aquele momento.
Superada a primeira parte, ingressei no supermercado empurrando o carrinho de compras e parei alguns minutos estarrecida. Estava lotado. A circulação era praticamente impossível... Agradeci mentalmente os tênis confortáveis que havia colocado. Certamente teria de vencer cada pedacinho de corredor com determinação e coragem. Iniciei a maratona com um sorriso simpático cravejado na face. Esbarrões, colisões, desculpas... E eu ali. Sorriso estampado: _Não foi nada, minha querida! Pode passar... listinha na mão, conferindo item por item. Para criar um clima realmente festivo os alto-falantes do supermercado não paravam de tocar baladas natalinas... Achei agradável em um primeiro momento, mas ao final da segunda hora de compras, já estava procurando o QG da tortura, o local de onde saia aquele sonzinho infernal que fazia uma lavagem cerebral em todo mundo. Lá ra lá lá...lá ra lá lá... Fiz uns exercícios respiratórios do Yôga e procurei abstrair... Para coroar tudo, uma senhora havia trazido duas crianças, que resolveram dar uma birra enorme ali na minha frente. Nossa! A voz de um dos meninos era de tenor. Que potência! Conseguiu até ofuscar a musiquinha dos alto falantes. Quando a mãe, enfurecida, não resistiu e lhe pregou um dois tapas no bumbum, tive de me conter. Meu instinto na hora me dizia para auxiliar. Quase falei: _ “Olha, se você quiser eu seguro, enquanto você bate!” Coitada! Para piorar a situação, depois de seu descontrole, olhou para mim envergonhada e começou a chorar também... A coisa estava virando um verdadeiro pandemônio.
Acabei pegando os itens da lista sem checar preço nenhum. Afinal, será que com tanta pesquisa economizaria alguma coisa? Dez? Vinte reais? Fui pegando sem fazer nenhuma análise, o importante era levar todos os produtos. Quando me aproximei dos caixas, respirei fundo novamente. Filas intermináveis... Estacionei no caixa em que o operador parecia mais esperto e aguardei a minha vez. Após alguns minutos, pára atrás de mim a senhora com as duas crianças, agora já calminhas, comendo um chocolate. Sorri de forma tranqüilizadora. Um dos meninos de repente, acompanhou a música que saia do microfone e cantou com vozinha maviosa... “como é que papai Noel, não se esquece de ninguém...” A mãe sorriu e lhe deu um grande beijo na bochecha... Ele com o rostinho todo sujo de chocolate sorriu para mim com ar travesso... a boca toda lambuzada do doce. Nesse momento perdoei tudo... Todas as pequenas contrariedades do nosso cotidiano. As crianças: Essas sim, representam a verdadeira magia do Natal!

Eliane Brito. É escritora, cronista, advogada, autora do livro “Do pequi ao sushi- Crônicas de viagens.” Saraiva bookstore. Publicado no jornal Diário da Manhã do dia 24/12/2008.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

NOITE FELIZ!

dizia minha avó: “O melhor da festa é esperar por ela.” Com o natal não é diferente. Nesses dias que antecedem a véspera do nascimento de Jesus, a agitação e os preparativos dominam nossas vidas. “Menu” da ceia a ser definida, decoração natalina a ser montada, lista de presentes, convidados... Nesse ponto é melhor fazer uma pausa. Aí começam todas as nossas dificuldades frente à família moderna.
Com os novos arranjos familiares, uma série de personagens vai se acoplando as famílias originais, gerando uma verdadeira engenharia doméstica, para acomodar os agregados e dissidentes e finalmente tentar ter uma “noite feliz”. São enteados, madrastas, padrastos, namoradas, que precisam ser devidamente recepcionados sem ofender ou gerar dissensões na família. Ufa! É um esforço hercúleo. Telefonemas e telefonemas são trocados... “Se fulano for eu não vou”... Mas, você ali, firme, na tentativa de viver o sonho hollywodiano da noite feliz! Argumenta, discute, faz análise... ”mas fulano, vocês precisam superar essas dificuldades, isso aí já passou, vamos esquecer”... Difícil...
O natal, de festa acolhedora, acaba se transmutando na ocasião ideal para externar todos os traumas e recalques cuidadosamente guardados e embrulhados em papel de seda durante o ano. Todas aquelas mágoas, rejeições, afloram com certo rancor e transbordam justamente no aniversário do pobrezinho do menino Jesus. Que ali no presépio, escondido no cantinho da sala, também grita sua mensagem em meio a balburdia, mas as pessoas não conseguem ouvir...
E a anfitriã, encarregada de recepcionar toda a adorável família, nessa hora já pregada na cruz e com a coroa de espinho fincada no alto da cabeça, tenta amenizar as situações problemas, ter autocontrole para superar os últimos dias, os mais difíceis, quando as tensões atingem seu ápice. Nesse momento um pensamento começa a se insinuar sorrateiro, “vou cancelar tudo... chega...” Mas, aí se lembra das crianças da família, dos velhinhos, já tão solitários, então, ganha forças para seguir adiante.
E assim, vamos prosseguindo em direção ao tão aguardado dia. A Quilometragem do veículo em um mês supera o primeiro trimestre do ano. Tanto a ser comprado, tanto a ser pesquisado, o celular não pára... Toca o dia inteiro. No carro, na rua, na madrugada...
No final dessa maratona rezo apenas para que os familiares convidados tenham a piedade de poupar pelo menos a anfitriã. Mas, talvez isso seja pedir demais... Sempre terá alguém que não perdoará o peru levemente sem tempero, a rabanada encharcada, a roupa que você usou (aquele vestido vermelho...) que no final, você tem de admitir que realmente era horrível. Minha estratégia para enfrentar a noite feliz será bastante simples... Champagne... Muita champagne... bom humor e que venham mais natais...o Importante é celebrar a vida!



ELIANE BRITO é escritora, cronista e advogada, autora do livro: “Do pequi ao sushi, crônicas de viagens. Crônica publicada no Jornal Diário da manhã do dia 13/12/08.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

SOBRE MERITOCRACIA


Se observarmos atentamente o modo de vida dos americanos, constataremos que toda a idéia de trabalho desse povo, está estruturada em cima do conceito de competência. Tudo naquele país foi construído em cima da meritocracia. É um país onde reina o primado do fazer bem feito, valorizar o tempo, ser o melhor.
Nosso país nasceu como colônia de exploração. Assentado firmemente sobre o escravagismo. Secularmente aprendemos a repudiar a idéia do trabalho duro. A pesada lide, sempre foi destinada as classes inferiores. Aqui, poderoso é quem é bem relacionado, quem compartilha da cultura do “quem indica”, ou o popular “QI”. Quando algo exige algum esforço, sempre vemos alguém se queixando. Um bom exemplo disso são os concursos públicos, que pipocam pelo país.
Concursandos indignados se queixam que os conteúdos são excessivos, que as disciplinas questionadas seriam mais apropriadas para seres extraterrestres. Fico me perguntando se estão certos... Não se pode negar que o conteúdo de um concurso jurídico, por exemplo, é vastíssimo. São assuntos de grande complexidade e extensão. Entretanto, no mundo hipotético, um advogado deveria dominar com clareza pelo menos sessenta por cento das matérias sabatinadas, para exercer seu trabalho com segurança.
Na prática, vemos jovens despreparados ingressando em milhares de Faculdades de Direito, que proliferam por aí, saindo formados e sinceramente admitindo: _Saí sem saber grande coisa! Munidos então de tão respeitado instrumento, o tão sonhado “diploma”, embarcam na aventura concurseira. Sem conhecimentos, sem método, sem disciplina.
Lutam contra si mesmos e contra um sistema corrupto, que muitas vezes forja concursos de mentirinha. Infelizmente, temos de admitir que a corrupção é uma das heranças de nossa cultura colonial e um concurso público é um prato cheio. Assim, a prova de admissão ao tão sonhado eldorado do funcionalismo público, se transforma em um grande massacre, para os despreparados e desapadrinhados. Aja aparelhamento para suportar a pressão.
Acredito que estamos evoluindo a passos lentos. Vemos cada vez mais a competência e o trabalho sendo valorizados. Na iniciativa privada, o mercado se mostra mais agressivo e a lei do mérito já impera. Os executivos em todas as áreas se mostram cada vez mais capacitados. No poder público, vemos muitos concursos sérios que realmente selecionam os melhores.
Creio que a tendência é realmente romper com esse ranço colonialista e valorizarmos cada vez mais quem sabe fazer bem feito. Para aqueles que se aventuram no mercado de trabalho digo apenas: _ Preparem-se e que vença o melhor!

Eliane Brito é advogada e escritora.

Artigo publicado no Diário da Manhã do dia 27 de novembro de 2008.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Sobre Ornitorrincos


Acordei em meio à noite assustada. Corri para o quarto de minha filha que gritava, tendo um pesadelo. Rapidamente falei: _ “Filhinha, acorde! Foi só um sonho!” Ela abriu os olhos assustada e exclamou: _ “Mãe, tive um pesadelo horrível...” Sentei-me na cama e falei: _ “Sonhou com o quê?” Ela respondeu então de forma surpreendente: _ “Nossa! Estava sonhando com um Ornitorrinco!” Não contive o riso e falei: _ “O Quê? Um ornitorrinco?” Ela respondeu pensativa: -“É...”. O riso me dominou, após alguns segundos, gargalhava com as lágrimas escorrendo pelo rosto... Ela também começou a rir sem-graça... então exclamei: _ “Parabéns, é o sonho mais estranho que já me relataram. Dez! Pelo quesito originalidade!” Ainda acrescentei: _” E olha, existem muitos ornitorrincos caminhando aí pelas ruas...”

Não me lembro bem das aulas de ciências, mas pelo que me recordo, ornitorrincos são seres híbridos, mistura de ave com mamífero. Possuem uma cabeça estranha, parecida com um castor e o corpo lembra o de um pato. Deitei-me novamente, pensando em quantas pessoas que conheço que são verdadeiros ornitorrincos espirituais. Pessoas que não conseguimos definir precisamente, que uma hora se encaixam em um padrão, ora em outro. Capazes de transitar entre o bem e o mal com desenvoltura. Como dizia o filósofo: “Entre o bem e o mal, existem apenas duas taças de vinho...”

Nos dias que correm, esses seres proliferam por toda a sociedade. São jovens que roubam e matam para sustentar o vício; Homens públicos que mentem e enganam para se perpetuar no poder; Nós cidadãos comuns, que no dia-a-dia, usamos a prática mais usual em solo brasileiro: “A lei de Gérson.” Onde o mais esperto sempre leva vantagem. Às vezes no trânsito; ás vezes no dia-a-dia. Definir o que é normal nesses dias velozes é cada vez mais difícil. Na grande roda do mundo, tudo toma um aspecto de naturalidade. Nada mais nos causa horror, nada mais nos constrange. Tudo é possível. Falar em princípios, frente à locomotiva do século XXI, parece algo obsoleto.

Talvez, o ornitorrinco seja ao contrário do que pensam alguns naturalistas, não uma aberração da natureza. E sim, como diria Darwin, o resultado de um amplo processo de adaptação e evolução das espécies. Talvez o ornitorrinco seja a cara do homem moderno. Que para sobreviver nessa sociedade fútil, precise se transformar em um mutante. Ostentando um rosto indefinido. Sem classe, nem espécie. Dividido, porém de alguma forma, completo em suas deficiências.

Eliane Brito é escritora e advogada.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

COMUNICADO AOS HOMENS DE PLANTÃO



Duas mulheres têm monopolizado a mídia nos últimos tempos. Nos Estados Unidos, Sarah Palin, vice de Jonh Mac Cain. No Brasil, Martha Suplicy, candidata a prefeita de São Paulo. O que essas mulheres têm em comum? Sarah Palin é chamada de “Pit Bull de batom” e Martha, apesar de não ter uma alcunha específica, coleciona um monte de nomes, alguns melhor até não mencionar. Diríamos que ela não é nenhum poodle cor-de-rosa...
Essas mulheres apresentam um traço de personalidade, que nos últimos tempos tem se reforçado cada vez mais no sexo frágil. São agressivas. Atacam quando necessário. Essa era uma característica tipicamente masculina que agora incorporamos de vez ao nosso cardápio.
Sem dúvidas, a agressividade moderada é uma mola para o sucesso. Mecanismo amplamente utilizado pelo sexo masculino, adotado abertamente por nós. Em se tratando de mulheres, aprendemos a nos calar, a ignorar os ataques. Esse mimetismo nos possibilitou a permanência nesse planeta. Segundo os biólogos é uma estratégia bem sofisticada de sobrevivência. Os animais fazem isso. Misturam-se, camuflando-se em meio à folhagem, para sobreviver. Porém, chega uma hora em que a fome fala mais alto. Precisamos comer um “ pedaço do bolo” e aí...é deixar a adrenalina circular nas veias e partir para o ataque.
Para isso contamos hoje com uma série de direitos e garantias que nos garantem o suporte. São leis constitucionais ou não... Que sacramentaram a igualdade entre os sexos. Nos situaram no mundo em bases sólidas. Além disso, o aumento da inserção da mulher no mercado de trabalho, a grana no bolso, ajudaram a clarificar algumas questões. Estamos mais livres, para sermos quem realmente somos. Como todo ser humano, portadoras do doce, mas também do sal que tempera o mundo.
Historicamente, a mulher sempre foi capaz de atos de crueldade extremada. Gilberto Freyre, em seu livro “Casa Grande e Senzala”, dedica um capítulo a explicar os atos sádicos praticados pelas “sinhazinhas”. Estas, enjeitadas pelos maridos, decidiam aplicar castigos terríveis as mucamas, que lhes atrapalhavam a paz doméstica. Os compêndios de Direito Penal, são ricos em exemplos de crimes, com “requintes de tortura”, praticados por mulheres.
A realidade nos mostra que, tudo que é reprimido, cresce de forma lenta e gradual, até explodir por algum meio incontrolável. Se Sarah Palin foi capaz de deixar o filho com Síndrome de Down (cinco dias após o parto) aos cuidados de outros, para retornar ao trabalho... Se Martha Suplicy coloca o dedo na cara de Kassab e pergunta: “Você é casado?”. Argüindo de forma tácita... Qual o seu posicionamento perante a vida? Para isso rompendo com a “educação” e a “classe”, que os homens esperam de uma dama. Tudo é possível!
Aos homens de plantão digo apenas; tomem cuidado! Se formos atacadas, reagiremos. Acabou-se a era da camuflagem. Se a vida fosse um jogo de cartas, eu diria que as cartas estão na mesa. E o resultado pode não agradar a todos...

ELIANE BRITO é escritora e advogada eum pouquinho agressiva.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O Poder dos Rituais


São seis horas da manhã. O celular desperta para um novo dia. Acordo e começo o ritual diário matinal, que eu e todos os especialistas em longevidade e saúde me impuseram. Escovo os dentes, saúde bucal é um dos itens recomendados pela OMS, indispensável a uma vida saudável. Arrasto meu tapetinho para a prática de Yôga até a sala e bocejando, sento-me para meditar. Outra recomendação, para uma vida equilibrada e feliz. Após 10 minutos de tentativas consigo meditar por alguns segundos. Depois pratico Yôga por meia hora. Alongo e estico meu corpo, atividade que me garantirá alguns anos a mais.
Dirijo-me então, para a cozinha para preparar o café da manhã, que, no caso,consiste em um poderoso suco. Segundo o livro “A cura através dos sucos” eles podem fazer milagres! Seleciono uns seis tipos de frutas; um preparado, que leva linhaça, castanha, soja; adiciono açúcar diet derivada da cana (que é mais saudável, por não conter aspartame) bato tudo e bebo, visualizando que estou ingerindo partículas de saúde pura. Uma cápsula de guaraná em pó, outra de chá verde e sigo para o banho.
Na ducha, lembro-me de “O Segredo”, livro que me ensinou sobre a “lei da atração" e então, procuro visualizar um dia produtivo e feliz, com todos os objetivos perfeitamente alcançados. Segundo esse livro, a visualização é a chave para o sucesso. Devemos sempre mentalizar coisas positivas que acabarão se manifestando na nossa vida. Antes de sair de casa, faço uma rápida oração. A fé, já está provada, ativa neurônios adormecidos no cérebro, despertando áreas ainda desconhecidas. Quem tem fé, vive mais e adoece menos. Leio o salmo 91 em voz alta, essa uma recomendação de minha mãe... Esse salmo poderoso, segundo ela, nos guarda de todos os perigos. Sentada em frente ao computador, fico feliz e relaxada, pois quem trabalha, corre menos risco de desenvolver doenças degenerativas, tipo Azheimer. O trabalho mantém nossa mente alerta e a memória aguçada. Na hora do almoço, concentro-me no prato de salada, riquíssimo nos vários tipos de folhas e vegetais que devo ingerir. Mentalizo a luz verde, que representa poder físico.
No final da tarde, munida de uma garrafinha de água, líquido precioso que devo beber no mínimo dois litros por dia, para garantir uma boa saúde e três se não quiser ter celulite... Sigo para a academia de ginástica. Outra prática terrivelmente recomendada pelos médicos e afins, que previne a osteoporose, garante mais disposição, afasta depressões, etc. O exercício físico libera endorfinas, que agem como um verdadeiro antidepressivo.
Tudo estava indo bem. Cumpria meu programa direitinho. Encontro com amigas da ginástica, “amizade é outro item importante”. Foi então, que o dia saiu totalmente do esquema. Uma delas me chamou para tomar um chopinho, em um barzinho do outro lado da rua. Pensei: “é... já está provado que o álcool, em doses pequenas é um verdadeiro remédio, combate a hipertensão, etc..”. Concordei, falando categórica: “vou tomar só um!” Depois do quinto chope, já totalmente rebelada contra o sistema, comecei um discurso contra o poder dos rituais na nossa vida... Falei que o que importava mesmo era ser feliz! Estava cansada das imposições dessa mídia cruel, que tentava nos encaixar em um padrão de beleza totalmente surreal. Impondo rituais stressantes. Minha amiga apoiava. Ainda argumentou. “Eu quero que essa sociedade se exploda!” Frase com a qual eu concordei prontamente, pedindo um novo chope.
Bom, hoje estou aqui, iniciando um outro dia. Ai! Cabeça latejando, escrevendo esse artigo para me livrar do remorso. Já tomei meu suco desintoxicante. Rico em vitamina C. Já Pedi perdão a Deus. O importante é recomeçar dizem os especialistas...

Eliane Brito é escritora e advogada.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

AMOR NO CIBERSPACE


Vivemos a banalização da expressão “eu te amo”. Hoje os amigos se despedem com um: “então tchau, te amo...” Os pais dizem te amo” à todo momento aos filhos. E por aí vai... Será que isso demonstra que há mais amor no mundo ou ao contrário, que o desamor é tão grande que expressões como essas já não têm a devida importância...?
Quando alguém diz que nos ama, de verdade, dói. Dói por que temos de confrontar com os nossos fantasmas. De autodestruição, auto-sabotagem e o pior de todos, da baixa auto-estima. Todos esses “autos” permeiam nossas vidas sem que percebamos. Eles se infiltram em nosso cotidiano e são alimentados por uma sociedade extremamente competitiva, que nunca nos enxerga como bons o suficiente. Então, quando farejamos que essa expressão está sendo dita verdadeiramente, entramos em pânico. “ama como”?
“que pessoa corajosa”, “eu não mereço”...
Que peso para a alma! Cria-se um estranho paradoxo: “ E agora? Sou amado...logo eu." Segundo nossa gramática, “amar, verbo intransitivo”, não necessita de complementos (adjetivos, substantivos, etc.). É uma expressão completa em si mesma. Nos remete ao infinito. E tem de ser incondicional, senão não é amor.
Jesus disse: “Amai ao próximo como a ti mesmo”. Para se amar verdadeiramente é preciso estar completo. É preciso se respeitar, respeitar o outro e principalmente, não se sabotar, nem se autodestruir. É preciso olhar no espelho e assumir que: “é, sou uma pessoa legal, gente boa, inteligente, esperta, tenho charme, tal...” Então, que venha o amor!
Vivemos, porém, em uma sociedade dominada pelo computador. Com as comunicações cada dia mais ágeis, via MSN, Orkut, E-mails, etc. As palavras transitam no ciberspace com a velocidade do pensamento. Elas perdem poder. Banalizam-se. Vejo isso como uma fuga. Precisamos banalizar para aceitar o peso que elas carregam. É preciso banalizar para aceitar a frieza dos relacionamentos, sua inconsistência.
Precisamos banalizar para aceitar que estamos sós. Perdido no mundo virtual usufruindo de uma falsa segurança. Envolvidos pela doce proteção que existe só no mundo dos sonhos. O duro é encarar a realidade, encarar que somos humanos, cheios de falhas, fraquezas, mas, temos dentro de nós a semente do divino. “Deus está dentro de nós”.

Meu pai só me disse que me ama duas vezes... E eu, meio maluca, acreditei. Com certeza acreditei, porquê ele conhece a extensão e o peso dessas palavras. Por favor, quando alguém te disser que “te ama”, faça um favor a si mesmo, aceite e responda apenas “obrigado”. A única resposta cabível.

Eliane Brito é escritora, advogada e muito amada...

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Sete vidas



Dias atrás, em um agradável almoço com minhas filhas, a conversa encaminhou-se para todas as vezes que já havíamos visto a morte de frente. Brincaram que eu tinha sete vidas e eu concordei que já havia gasto uma. Uma delas rememorou seu nascimento prematuro e o fato de que poderia não estar ali. Outra se lembrou de um choque elétrico, tomado aos cinco anos de idade. A terceira de uma cirurgia mal-sucedida...
Quanto a mim, falávamos de um grave acidente de carro que sofri, anos atrás. Contudo uma lembrança se insinuou e voltou nítida a minha memória. Já havia me esquecido totalmente desse fato, mas, naquele momento, tive a certeza de que aquela foi a vez, em que eu vi a morte de frente. Exclamei:
_Não, só tenho cinco vidas, já gastei mais uma!
Tive um breve namoro com um rapaz, duas semanas de duração, que residia no mesmo edifício que eu. Quando terminei o relacionamento, X (vamos chamá-lo assim...) começou uma verdadeira caçada à minha pessoa.
Seguia-me pelas ruas, aparecia em todos os lugares onde eu estava, mandava recados, flores, etc. Quando percebeu que eu estava firme em meu propósito, começou a fazer ameaças de todos os tipos, que eu inconseqüentemente ignorava.
Certo dia, porém, estava sozinha em casa, quando toca a campainha. Abri despreocupadamente a porta e X invadiu o apartamento. Tentei argumentar, explicar minhas razões, mas, ele estava transtornado. De repente, sacou de uma arma e começou a andar de um lado para o outro, brandindo-a em todas as direções. Falou que poderia me matar ali, naquela hora e que tudo estaria resolvido.
Não sei por que, mas, senti uma indignação tremenda com aquela situação. Uma raiva imensa me dominou. Comecei a desafiá-lo: “ _Então mata agora! Exclamava batendo no peito._aproveita e mete uma bala na sua cabeça também!” Naquela hora, eu não tinha medo de nada. Como todo adolescente, me julgava imortal.
Essa cena dantesca continuou por alguns minutos, quando ele se aproximou e encostou a arma na minha cabeça. Se eu tivesse morrido ali, posso assegurar, não teria sido com medo. Em situações de tensão, todas elas, eu fico estranhamente calma.
Fui salva pelo meu irmão (que morava comigo) retornando de uma missa. Ele agiu com firmeza e decisão. Falou a X com autoridade, conseguindo colocá-lo para fora. Ligou então, imediatamente para um tio meu, que era da polícia, relatando o ocorrido. Esse tio procurou X e lhe deu provavelmente um bom “aviso”, desses que só policiais podem dar. O que fez com que X me deixasse em paz.
Relatei tudo isso a minhas filhas, que a essa altura já estavam boquiabertas. As três então se levantaram e me abraçaram. A caçula exclamou, com voz chorosa:_ “ Mãe, você poderia estar morta!”
Hoje, do alto da minha maturidade, percebo o quanto fui inconseqüente, desafiando-o naquele momento de tensão. O quanto às emoções são delicadas, especialmente o amor, ou, nesse caso, as paixões e como merecem um cuidado de nossa parte. Amor não se impõe. Absolutamente. Simplesmente acontece. Percebo também que Deus, com toda certeza me protegeu naquela hora. Tenho que concluir que ele tem algum propósito para mim. Uma missão que só eu posso desempenhar. E é por isso que estou aqui.

Eliane Brito é escritora, advogada e uma sobrevivente.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Unidos pelo afeto


Segundo as estatísticas do IBGE, nunca se desfizeram tantos casamentos. Estamos na década provavelmente, em que mais mulheres se descasaram. A sociedade liberta dos padrões rígidos de antigamente, já não sanciona com gravidade essa mulher. Antigamente romper com esse vínculo era sinônimo de humilhações, preconceitos e segregação. Há uma ou duas gerações passadas, a mulher que optasse por essa medida sabia que iria enfrentar uma via crúcis, para se reestruturar e garantir algum respeito. Tudo isso mudou, os ares libertários dos anos sessenta atingiram essa instituição milenar, aceitando que as pessoas devem ser livres em suas escolhas.

Podemos destacar algumas mudanças que impulsionaram essa “popularização do divórcio”. A primeira seria a igreja, que já não exerce a força repressora de antigamente. Não que ela se posicione favorável à separação... Mas, paulatinamente as idéias cristãs vêm perdendo espaço. No mundo moderno, as pessoas já não levam tão a sério assim as “penas do inferno”, então, todos os fantasmas que aterrorizavam as mulheres vão se transformando em fumaça. Outra importante mudança foi o aumento gradativo da participação da mulher no mercado do trabalho. O dinheiro é uma força, capaz de mover o mundo e transformar realidades. Cria novas oportunidades, descortina novos horizontes. A mulher do século XXI, com sua independência garantida pelo contracheque, tem aturado cada vez menos desaforos.

O direito tem acompanhado essa tendência. A desinstitucionalização do casamento é uma realidade no direito de família. Leis garantem uma maior celeridade nos processos de divórcios, que hoje podem ser feitos até em cartórios (Com algumas ressalvas em caso de filhos menores, etc.) Aplica-se atualmente no contrato de casamento, o mesmo princípio aplicado aos demais contratos, do “Affectio”, que é igual à vontade, querer, desejo de ficar juntos. A lei entende que o que deve unir um homem e uma mulher é a afeição, o objetivo de se construir um lar. A dignidade também é um valor que deve ser preservado e ser a garantia máxima de ambas as partes.

Mas, como tudo, a onda de separações traz em seu bojo o bem e o mal. Não podemos esquecer que nem tudo é festa! Todo rompimento carrega consigo mudanças e transformações. Dolorosas, mas necessárias para se alcançar uma melhor qualidade de vida. Nessa hora o direito também nos socorre, quando classifica as separações em muitos casos como “remédio legal”. Muitas vezes para uma relação doentia e neurótica, a prescrição mais apropriada deve ser esse remédio radical chamado divórcio. Que mata o vírus do desamor e das brigas, para deixar florescer a paz e a serenidade.


Eliane Brito é escritora e advogada. Nesse artigo, mais advogada que escritora...

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Viva a contra-revolução!



O papel feminino tem mudado ao longo dos anos. Com o advento da revolução industrial e a pílula contraceptiva, sabemos que o modelo feminal conhecido até então foi modificado. Surgiu uma nova mulher, mais independente, mais atarefada e... mais doente. Ultimamente várias mulheres com que tenho conversado estão com algum tipo de enfermidade. Problemas como: depressão, síndrome do pânico, arritmia cardíaca, labirintite, herpes labial. A lista é extensa. Grande como os males modernos. Essa é a época de ouro das mulheres. Temos tudo pelo qual lutamos. Temos trabalho, dinheiro, independência e um pouco mais de respeito. Sustentamos lares, podemos casar e descasar, modificamos nossos corpos ao bel prazer. Estamos mais bonitas, mais livres, mais ricas, então, o que deu errado?

Os orientais vêm o mundo dentro de uma dualidade. Ying e Yang. O princípio masculino, ativo, agressivo e o feminino, passivo, fluído. Todos nós temos essas duas forças atuando em nosso organismo. Porém, no caso feminino, deve predominar a energia Yang, mais sutil, mais maleável, intuitiva. Quando negamos nossa essência, as características marcantes da nossa personalidade e de nosso DNA, geramos um desequilíbrio que precisa ser compensado. A natureza então, faz seu trabalho de ordenamento, de busca do equilíbrio perdido. E muitas vezes a doença é uma etapa para a cura.

Toda conquista implica em ônus e responsabilidades. O que deu errado é que esquecemos que havia um preço a ser pago. Stress, doenças, pressão psicológica, responsabilidades triplicadas. Parece que nosso traço mais marcante, chamado sensibilidade feminina está se rebelando contra o sistema. Não suportando a pressão, nosso organismo reage e transforma essas agressões externas em doenças.

Assistindo ao programa Saia Justa do GNT, a apresentadora explicava que, segundo os psicólogos, quando nos deparamos com um problema temos basicamente quatro alternativas: Mudar; aceitar; negar ou sofrer. Pelo jeito a mulher moderna não mudará nada no modelo construído a partir do dia em que se queimou o primeiro sutiã. Continuará em movimento retilíneo uniforme, vestindo a máscara de “super poderosa”. E, como das alternativas acima, escolheu a última, continuará sofrendo...

Viva a contra-revolução! Devemos recuar um pouco. Reaprender a dividir responsabilidades. Criar nossos filhos com o pai do lado (se for possível); dividir as contas ou deixar que alguém as pague; aceitar que nos abram a porta do carro; chorar quando receber flores; vestir um vestido bonito e sair por aí. Após tantas batalhas, podemos relaxar um pouco no controle. Não... Não vamos perder tudo o que conquistamos. Vamos apenas, fazer uma pequena correção na rota e resgatar muitas coisas boas que se perderam no caminho. Lembrar-nos que somos mulheres sensíveis, amorosas, delicadas e precisamos de um pouco de mimo. Faz parte do nosso charme. Eu, pelo menos, adoro ser mimada.

Eliane Brito é escritora, advogada e muito, muuuuito mimada!

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Impotência e Coragem



Lendo os jornais do dia, a sensação que nos domina é a impotência. Um pai estava estampado na primeira página, chorando a morte do filho de três anos, baleado por policiais. Assassinatos, bombas, dá até para sentir o cheiro de sangue. O sentimento é de inutilidade e frustração. O que cada pessoa comum, em sua individualidade, pode fazer para mudar o mundo? Será que existe realmente uma chance de transformação?! Será que podemos fazer algo para conter esse trem desgovernado chamado ser humano? A vontade é ficar inerte. Desistir da luta. Simplesmente assistir a evolução dos fatos, o desenrolar dos acontecimentos, sem tomar nenhuma resolução.
Meditando sobre esse assunto, abri o livro indiano Mahabarata, no seu poema clássico, chamado em português de “canção celestial” e em indi de Bhagavad-gita. Consultei aleatoriamente e li a seguinte frase “Se não lutares a batalha da vida porque teu egoísmo te faz temê-la tua resolução é vã: a natureza se te imporá”. Fechei imediatamente o livro um pouco envergonhada. A resposta havia sido rápida e certeira. Decifrara o meu sentimento perante as manchetes. Egoísmo. Vontade de ficar aparte. Transformar o coração em um bloco de pedra e fazer de conta que nada está acontecendo. Seria essa a saída? Não. É preciso fazer algo! Nem que seja protestar... Quando o livro sagrado hindu nos diz que a natureza nos imporá, faz uma verdadeira profecia. Se não nos posicionarmos e lutarmos para de alguma forma mudar o mundo, os atos de violência, mais cedo ou mais tarde vão nos alcançar. Essas atrocidades podem acontecer dentro de nossas casas, com pessoas da nossa família e aí será muito tarde...
Outra violência exaustivamente explorada pelos jornais é o despreparo e a falta de comprometimento dos políticos com os ideais do povo. A imprensa tem feito sua parte, divulgando, escândalos, processos, etc. Mas, nós temos nos omitido. Temos ficado surdos perante os avisos recebidos. E, quando não recebemos os serviços públicos que merecemos, inclusive segurança pública, nos quedamos impotentes. Como se nada pudesse ser feito. Quanto as minhas escolhas políticas e pelo menos quanto a essas eu posso fazer alguma coisa. Munida do meu pequenino título eleitoral, posso fazer uma escolha. Gritar em alto e bom som: _ Eu sou uma cidadã, sou brasileira e mereço respeito! “Uma andorinha só não faz verão”, mas milhares... Podem fazer uma grande diferença. Milhares de andorinhas podem mudar o mundo. Esse discurso é antigo e eficiente! Foi ele que patrocinou a revolução francesa, foi ele que garantiu que tivéssemos eleições democráticas, acabando com a ditadura. Foi ele que fez todas as grandes mudanças populares no mundo e é ele que eu quero ressuscitar.
As eleições municipais estão se aproximando. Estamos tendo mais uma oportunidade de elegermos pessoas sérias, comprometidas com os valores nobres da humanidade. Não sei quanto a você... Eu não vou me omitir. Vou votar! E vou tentar votar direito. Quero saber quem são os candidatos, o que eles fazem o que eles acreditam. E principalmente, quero em silêncio, olhar dentro dos olhos desses cidadãos e perguntar... Quais são os seus propósitos? O bem comum ou seu próprio interesse? O meu coração vai me dar à resposta. E dessa vez eu vou acreditar nela.
Essa saída pode parecer simplista, infantil, ridícula. Mas é com um simples ato como esse, de escolher e votar, que outorgamos mandatos a pessoas, mudados suas vidas, lhes damos a chance de fazerem algo pelo seu semelhante e pelo seu país. Eu valorizo cada ato que pratico. E esse para mim tem muito valor. Pois, como uma pequena engrenagem em uma grande máquina, o voto dispara o gatilho que leva a eleição de alguém lá do outro lado. É pouco. É. Mas, ficar impotente é uma saída covarde. Eu escolho a coragem.
Eliane Brito é escritora, advogada e está tirando a poeira do título de eleitor.( Crônica publicada com cortes, no jornal "O Popular" do dia 23-07-08).

quinta-feira, 3 de julho de 2008

DEUS É DEZ!



Na última terça-feira, tive uma noite bastante agitada. Não... não foi balada não... Tudo começou assim. Minha mãe pediu-me para levá-la à Missa-show do padre Marcelo Rossi no santuário do divino pai eterno na cidade de Trindade. Papai se recusou terminantemente a enfrentar a aventura, então, um pouco a contragosto, concordei. Perguntei que horas sairíamos e ela me disse que a missa estava marcada para as sete e meia da noite, mas, devíamos sair em torno de cinco horas da tarde. Medida de precaução, pois, eram esperadas em torno de um milhão de pessoas na “balada”. Dito e feito. Após duas horas apertando e soltando a embreagem para andar dezessete quilômetros, chegamos a Trindade. No caminho, para me distrair, fui observando as centenas de romeiros que faziam o percurso a pé. E alguns realmente me comoveram. Havia pessoas bem idosas, mulheres carregando crianças (o que sem dúvidas, fazia com que o sacrifício ficasse mais árduo) pessoas andando com dificuldades, devido a problemas nas pernas, etc... A cada quilômetro fica uma estação, lembrando a via crúcis de Jesus, com pinturas feitas por Siron Franco. Confesso que não estava preparada para o que encontrei ao chegar ao Santuário. Na parte dos fundos, foi armado um grande palco, que não ficava nada a dever aos palcos de grandes cantores brasileiros. Enorme, com toda uma parafernália eletrônica, dois telões se abrindo para uma praça que estava tomada de fãs. Eu como sou bastante adaptável, já comecei a me animar. Dei uma volta, observando as rodinhas animadas, observei os barzinhos que circundavam a praça e pensei: _Bom, já que estou aqui, vou tomar uma cervejinha. Que nada! Nenhum barzinho vendia cerveja. O evento era gospel. A Alegria vai fluir toda de Jesus! Conjeturei. É isso aí. Descobri que as pessoas que estavam próximas ao palco, chegaram no dia anterior para garantirem seus lugares... que loucura! Padre Marcelo era um verdadeiro pop star.
Começou uma oração comandada por um padre que, mamãe falou que era o pároco lá de Trindade. A galera foi se animando. Algumas carolas apertavam o terço contra o peito e choravam. Orando com fé e desespero tremendos. Era uma cena bem interessante para mim, que sou um pouco cética. Um helicóptero então começou a sobrevoar a multidão. E comecei a ouvir um urro surdo que foi subindo, subindo e dominando tudo. Tinham homens por ali, mas, as vozes das mulheres sobrepujavam. Uma senhora que estava ao meu lado, segurou minha mão com força, como se fossemos unidas em alguma irmandade e falou entre histérica e sussurrante, com os olhos bem arregalados: Ele chegou! Eu imbecilmente perguntei? _Quem? (na hora achei que era o próprio Jesus). Ela respondeu:
_Padre Marcelo, uai!
Ah! Pelo telão, via a cara ensaiada que os outros padres postados no palco faziam... Sabe aquela cara de perdedor do Oscar? Que o cara ensaia a semana inteira na frente do espelho... Cara de paisagem. Um sorriso forçado, com ares de natural na boca. Um balançar displicente de cabeça para a multidão, um ar de condescendência. Dizendo assim: Está tudo bem! Eu estou totalmente controlado. Não ligo que vocês gostem mais desse padre... tal. Tudo mentira! Percebi claramente que eles ficavam incomodados... Que humildade que nada! Eles queriam ser adorados daquela forma. Os gritos foram aumentando num crescente. O Padre que comandava a reza parou tudo e falou: _Meus irmãos. Está parecendo até que vocês não vieram à missa. Está parecendo que vocês estão aqui só pra ver uma pessoa... Foi ele falar isso e a multidão começou a gritar o nome do ídolo...Gritou, gritou, até que o próprio entrou no palco. Muito simpático e sorridente, já entrou cantando, foi uma loucura! A histeria coletiva me contagiou... Comecei a cantar e a dançar também...”Erguei as mãos e daí glória a Deus”... “ Tem anjos voando nesse lugar, no meio do povo em cima do altar, subindo e descendo em todas as direções...” Eu que achava que não sabia música nenhuma, sabia várias...
Padre Marcelo cumpriu direitinho seu papel. Cantou e dançou muito. Era alto e carismático dominando totalmente a multidão. Fez a galera se divertir e rezar. E não tinha só velhos não... Observei muita gente jovem, participando ativamente. No final, tinha até me esquecido que era um evento religioso. Ficou só um saldo de alegria. Não é que a vida é cheia de surpresas? Encerrou o show com uma música que eu não conhecia. “Deus é dez”! Aprendi rapidinho e tenho que concordar, nos dias de hoje Deus é nota dez, em todos os sentidos.

Eliane Brito é escritora, advogada e pronta pra se divertir em qualquer situação.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Carta aos Orianos



Saudações aos habitantes da maravilhosa constelação de Órion. Posto essa carta, no Ciberspace, na esperança de que chegue a seu destino. Por aqui, tudo bem! Alguns tufões, alagamentos, terremotos, um ou dois vulcões em atividade, mas, no geral, vamos sobrevivendo. Escrevo do planeta terra, especificamente um país chamado Brasil e para ser ainda mais exata, de uma região chamada Goiás. Estamos em uma área relativamente estável geologicamente, até agora não aconteceram grandes cataclismos por aqui. Mas, segundo os especialistas ambientais, isso não vai durar muito. A terra está se aquecendo, os mares estão elevando e aqui na minha região podem ocorrer grandes tempestades de raios... Vai ser uma loucura.
Quando vejo os noticiários do meu mundo, a impressão que tenho é que estou em outro planeta. Muitas calamidades assolam a terra, algumas menos palpáveis, porém com grande poder de destruição. Um exemplo é a violência que ganha a cada dia mais força, queridos Orianos. É perigoso andar pelas ruas, principalmente à noite, devido ao grande número de assaltos. Além do mais, temos um trânsito caótico. A boa notícia é que o governo do meu país aprovou uma lei punindo severamente quem matar outro terráqueo, conduzindo um de nossos veículos (naves). Imagine que aqui, quando uma pessoa ingeria muita bebida alcoólica (substância que provoca alterações cerebrais), o que é considerado normal, matando ou provocando qualquer tipo de acidente, não acontecia praticamente nada. É nada! Às vezes se pagava uma ou duas cestas básicas, que é um sistema punitivo inventado por nossa justiça. Agora isso mudou... Foi considerado crime doloso, o que quer dizer que o condutor da nave agiu com intenção de lesionar ou matar. Espero que isso contribua um pouco para melhorar a situação.
Como é a política por aí? Vocês têm governantes? Aqui elegemos representantes para falarem por nós (pobres mortais) em uma grande assembléia de líderes de todo o país e regionalmente também. É uma grande responsabilidade. Até eles serem eleitos, amigos Orianos, é uma grande festa! Recebemos muitas visitas, cartinhas lindas, convites para coquetéis, jantares, tapinhas nas costas e muitas promessas. O mundo ganha um novo colorido. Parece que tudo vai mudar, que o planeta vai ser salvo e nós também. Mas, basta eles serem eleitos, são acometidos por uma terrível amnésia. Geralmente os vencedores viajam, uma ou duas semanas para outra parte do globo para descansar. Eleição é muito desgastante! Depois, assumem suas funções e somem. Fica muito difícil se aproximar desses representantes. Amigos Orianos, eles contratam um montão de gente, chamada de assessores, criando em torno deles um verdadeiro escudo intergaláctico. Para se aproximar são necessários centenas de telefonemas, e-mails, papéis, as pessoas acabam desistindo... Por fim começam as denúncias de corrupção, falcatruas, desvio de dinheiro público. Parece que eles se esquecem que estavam ali para falar e agir por nós. Ai, meus amigos de Órion, é muito triste! Eu prometo a cada eleição que não vou cair nesse papo furado, mas tenho um coração de manteiga (é uma expressão que usamos aqui) e sempre acabo caindo na mesma esparrela.
Eu estava pensando... Por acaso aí em Órion vocês aceitam visitantes? Não que aqui seja ruim, não é isso... Mas sinto vontade de mudar de ares, seria realmente maravilhoso conhecer um outro planeta, sem todos esses problemas. Tenho certeza de que Órion deve ser lindo! Quem achar... Responda-me o mais rápido possível! E, caso seja positiva sua resposta, peça para uma nave me buscar. Minha bagagem já está pronta. Levo apenas um livro bastante comentado por aqui. É um livro de piadas... seu nome é Constituição. É realmente hilário! Mas, isso é outra história, depois lhes conto.
Saudações terráqueas!

Eliane Brito é escritora, advogada e pronta para ser abduzida

sexta-feira, 13 de junho de 2008

AMORES POSSÍVEIS



Anais nin, escritora, disse o seguinte: “A vida se retrai ou se expande na proporção da nossa coragem.” Achei a frase interessante e oportuna, pois recordei-me de várias conversas que tive, nesses dias que antecederam ao “dia dos namorados” com amigas jovens, solteiras e sozinhas. Perguntei o porquê dessa situação e as desculpas foram diversas. Algumas alegaram que eram muito independentes e não queriam se prender a ninguém, outras que não tinham muito tempo e ainda que não existem homens disponíveis no mercado e por aí foi...Ao final, conclui com precisão e espanto, que todas cultivavam amores impossíveis.
Uma amiga me relatou que se apaixonara por um rapaz e quando o pressionara para iniciarem um namoro ele afirmou que era Gay. Outra me disse que era perdidamente apaixonada por um colega de trabalho casado e que não via como esse romance poderia se concretizar. Uma terceira me disse que gostava de um rapaz que residia em outra cidade...dificuldades e mais dificuldades. Na minha experiência como mulher e como mãe, pude identificar um sentimento que de vez em quando vejo no rostinho de minhas filhas. Medo. Que lembrando a frase acima, é o antônimo de coragem. Levando a essa contração da vida emocional dessas jovens.
Essas moças na verdade, lutam contra a timidez, com seus próprios limites, com a incapacidade de se envolverem em uma relação mais profunda. A realização pessoal exige sacrifícios. Todos sabem que um relacionamento envolve mudanças, quebra de paradigmas, reestruturação. Quando nos relacionamos com quaisquer pessoas, utilizamos nossas habilidades de comunicação, simpatia, equilíbrio e estabilidade emocional. São relações delicadas que exigem acima de tudo amor. Ops! Não queria dizer essa palavra tão desprestigiada nos dias de hoje, mas, saiu! Amar nesses dias que vivemos é totalmente incompreensível para esses jovens, que segundo os especialistas, são os mais individualistas e egoístas de toda a história.
O jovem hoje em dia não aceita mudanças. Nada que o tire de uma rotina de prazer e divertimento. Nossa sociedade calcada no hedonismo, rejeita tudo que possa representar dificuldades. Claro, pois, todo relacionamento envolve o bom e o ruim. O prazer e a dor. Cria limites. Percebemos claramente, que assumir responsabilidades, por si mesmo e pelos outros é difícil. E um relacionamento gera responsabilidades, nem que seja pelo sentimento do outro. Pela possibilidade de feri-lo.
Essa geração pós- ditadura aprendeu a se calar, se proteger e isso tem refletido até nas escolhas amorosas. É preciso se entregar, se arriscar, para mudar o mundo e ser feliz. É preciso se permitir sofrer, chorar, se for o caso. Quando se escolhe o impossível, fica a impressão que é uma fuga... E o pior de si mesmo. Escolher um amor “possível” é um ato de coragem. E Amar pode acabar sendo a aventura mais radical de sua vida.

Eliane Brito, mãe, amiga, escritora e advogada.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

VIDA DE CÃO


Enquanto olhava o anúncio feito por um “pet shop”, por uma fração de segundos tive vontade de ser uma cadela. Colorida e vistosa a propaganda trazia uma cachorra peluda e eu diria que, sorridente, com um lacinho na cabeça, recostada em macias almofadas. Anunciava: venha conhecer o nosso maravilhoso Spa ! Temos massagens capilares, relaxantes, hidratação, e luxo dos luxos: Ofurô. Acrescentava ainda, que tinham serviços de hotel, com alimentação especial e tratadores treinados. Fiquei estupefata e um pensamento me ocorreu de assalto. Muitas pessoas provavelmente nunca receberam esses mimos na vida e nunca receberão. Quantos humanos nunca usufruíram de uma boa massagem, tratamentos de pele e banhos de ofurô.
Rapidamente fiz um cálculo simples, pois, já tive cachorros e concluí que, numa perspectiva otimista, incluindo vacinas, remédios e rações, para se manter um cachorro com todos esses luxos seriam necessários, algo em torno de um salário mínimo. Isso excluindo o primeiro mês, quando se compra o animal, que se for de raça, com pedigree, custa em torno de um mil e duzentos reais. Acrescente-se toda a tralha necessária, casinha, vasilhames para ração, vacinas e roupinhas. Sim senhores! Cães hoje em dia usam roupas e até escovam os dentes. É a humanização canina. Existem até psicólogos para cães, especializados em tratar os distúrbios mais comuns, como crise do pânico...
Recordei-me de minha infância e de minha cachorrinha Laica. Nos dias de hoje ela seria uma excluída. Uma pária na sociedade canina. Coitada! Sem o menor estilo ou classe. Ficava tão feliz, quando eu, munida de uma mangueira, lhe dava um gostoso banho, aproveitando para me refrescar junto com ela, rolando pelo chão. Rações eram raras. Mamãe preparava uma papa de fubá e carne moída, que ela adorava e tenho de admitir, tão cheirosa e apetitosa que certo dia não resisti e escondido, comi um pouquinho da panela. Veterinário ela só conheceu quando precisou se submeter a uma cesariana de urgência. Lembro-me de contar tal fato na escola e de todos os colegas ficarem deslumbrados... Organizaram até uma comissão para visitar a cachorrinha que havia feito cirurgia. Pensando bem, acho que eu a “tratava como um animal”! Hoje isso soaria como uma idiossincrasia, um absurdo inimaginável e para arrematar ainda tenho de confessar... Ela era uma cachorra feliz! Nunca precisou de psicólogo.
Adoro cachorros. São inteligentes, amorosos e trazem carinho e afeto para nossas vidas! Porém, tenho de admitir, não compactuo com o requinte e o glamour com que tratam os mesmos hoje em dia ,beira a insanidade. Percebo que as pessoas estão cada vez mais sozinhas, sem afeto, sem alguém para dividir as alegrias do dia-a-dia. Os cães estão compensando todas as carências e frustrações do homem moderno. A justiça está cheia de casos de divórcios, onde o grande ponto de conflito é quem vai ficar com o cachorro. Parece piada, mas, os envolvidos protagonizam cenas de choro e desespero pelos corredores do fórum. Fica bem claro, que o casal, gostava mais do animal do que um do outro. Se olharmos a jurisprudência, que são as decisões dos tribunais, inúmeros casos envolvem cães. Processos contra condomínios, hotéis, pedido de indenizações. Analisando a história da humanidade os cães atingiram hoje sua idade de ouro. Se o céu dos cachorros existe ele está aqui na terra. Nesse momento da história humana.
Na minha vida procuro estabelecer prioridades. Dentre elas, incluo contribuir para uma boa e séria instituição de caridade. Se puder dispor de algum dinheiro, privilegio o meu semelhante. Se você aí do outro lado é dono de um cachorro, já sei o que está pensando: Como ela é ultrapassada! As vezes sou um pouco antiquada mesmo. Tenho de admitir, possuo o terrível hábito de tratar os cachorros como animais! Deus tenha piedade da minha alma...
Eliane Brito é escritora e advogada.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Sobre autenticidade

























Nós somos o resultado de nossas experiências, dizem os antropólogos. Realmente, acredito que tudo o que vivi levou a construção de minha personalidade e caráter. As crenças que me passaram as situações que presenciei tudo isso deu origem ao que sou hoje: Uma pessoa autêntica.
Digo isso por que essa alcunha sempre me acompanhou durante a vida. Todas as vezes que alguém era perguntado sobre o que achava de mim, pensava, pensava e saía com essa pérola: “Ela é uma pessoa autêntica”. Ultimamente tenho meditado sobre esse conceito. Seria eu autêntica no sentido de ser verdadeira? No sentido de excêntrica? Ou até em um enfoque negativo; grosseira?
Acho que é uma universalidade. Um pouco de tudo isso. Em minhas viagens, aprendi a respeitar o multiculturalismo, a diversidade de concepções e posturas assumidas pelo ser humano. Hoje em dia o lema “respeitar as diferenças” é uma bandeira levantada pelos defensores dos direitos humanos. Mas, no meu cotidiano procuro trazer essa máxima para a realidade. Eu valorizo as pessoas e seus comportamentos. Seus hábitos e suas culturas. Gosto da diferença. Provavelmente é nisso que se assenta minha excentricidade.
Cuidado, pois, se você concordar estará dizendo que a Constituição também é excêntrica. Ela também fez isso quando topograficamente colocou os Direitos e Garantias Fundamentais, antes da Organização do Estado. Fica bem claro em toda a construção da Carta Magna, que o estado é um meio, o indivíduo é o fim.
Então quando eu chego à casa de uma pessoa humilde e ela está comendo com as mãos. Me alimento também. Há quantos anos existem os talheres? Duzentos? Na Índia e em todo o oriente, até hoje se come com as mãos. Isso me faz autêntica?
Por outro lado, fiz uma opção pessoal de sempre que possível falar a verdade. Digo “possível”, por que em muitas situações seria até uma crueldade despejar a verdade nua e crua. Aí resvalo para o perigo de me tornar grosseira. E às vezes acontece... Se estou em uma roda de políticos e for questionada sobre a corrupção, por exemplo. Vou falar da minha indignação com a situação do meu país. O que eu acho dos políticos corruptos. Aí, alguém para amenizar minhas palavras, dirá com um sorriso amarelo: Minha querida, como você é... ãham...autêntica.
_Sou mesmo!

Eliane Brito é escritora e advogada.

terça-feira, 13 de maio de 2008

“O Guia do Imperador”




No último feriado me enfiei no meio do mato. Digo mato, mas, quero dizer uma fazenda bem confortável, rodeada de regos d’água, bicas, moinhos, energia solar e uma piscina aquecida que ninguém é de ferro. Quando resolvi viajar, preparei um estoque reforçado de revistas femininas, de notícias e sensacionalistas, como “Caras”. Mas, para garantir que não ia me faltar divertimento fui a uma livraria e comprei um livro novo. Intitulado: “O Guia do Imperador.” Escrito por Marco Aurélio, um dos maiores imperadores romanos, chamado de “o sábio”. Segundo os historiadores, ele guiou o império romano em uma era de ouro, sendo fiel a seus princípios, sem jamais se corromper. Se comparado com o monte de psicopatas que governaram Roma, já é uma grande coisa.
Primeira meia hora na fazenda deslumbrou-me tudo! Extasiada falava para as minhas filhas: Que beleza! Olha só que ar puro! Olhando o verde das árvores no pomar, exclamava: que maravilha, o barulhinho dessa bica d’água! Que delícia o fogão à lenha! (que eu insisti para a caseira acender, mesmo não sendo hora do almoço, só por que eu achava lindo o fogo crepitando). Elas olhavam minha empolgação com um ar cético, como se eu tivesse enlouquecido totalmente. Andei em volta da casa, respirei fundo, me sentei em um balanço de pneu pendurado em uma árvore e entrei em profundo desespero. Olhava o relógio, só haviam se passado meia-hora. A casa , situada em meio a uma usina de álcool e açúcar, era rodeada por um monótono mar verde formado pelos imensos canaviais. Agarrei-me com o meu livro e comecei a leitura, deitada em uma rede, tarefa que me envolveria por todo o final de semana.
Comparei as verdades ali retratadas pelo imperador com o famoso livro bíblico de “Eclesiastes”. Segundo o organizador, o imperador escrevia suas observações ao longo dos anos, quando acabava de despachar, ao final do dia, colocando sua visão e sabedoria, como se fosse um diário. No começo do livro, já uma frase me chamou a atenção: “Tenha em mente que um homem é avaliado pelo valor das coisas pelas quais se interessa”. E a mulher também, pensei. Parei alguns segundo analisando meus interesses e fiquei intimamente satisfeita. É. No Geral tinha interesses relevantes. Excluindo o salão de beleza semanal, os peelings e as massagens. Até que eu era uma mulher de grandes interesses.

“Se é justo dizer ou fazer algo. É ainda mais justo ser criticado por tê-lo dito ou feito”. Disse Marco Aurélio. Concordo plenamente. Quando publiquei meu livro pude sentir com dureza o peso da crítica. Hoje acho que já estou madura pra lidar com ela. E tenho de admitir, aprendi muito com as poucas críticas que chegaram aos meus ouvidos. (De alguns malucos que não tem absolutamente amor a vida! ) Pensei divertida. E é claro, tenho de dizer, não me arrependo de nada! E estou até escrevendo outro livro. Coragem não me falta e vontade de produzir.
Em outro capítulo ele trata da difícil tarefa de todo ser humano de escolher entre o certo e o errado, sem considerar os nossos próprios interesses, mas olhando o bem comum. Fala sobre princípios, o papel que eles desempenham na vida de um líder. Mas para mim, a frase mais marcante do livro foi: “Compete a você”. Sem dúvidas, seja lá qual for a decisão que precisemos tomar, ou o trabalho a realizar, só nós podemos executar a tarefa.
Comi bolo de fubá, bebi café coadinho na hora, agarrada com esse maravilhoso livro. Recomendo. Não sou uma imperatriz. Mas sou a comandante do meu pequeno reino chamado “lar” e aprendi muito com esse imperador-general de como liderar, tomar decisões e trabalhar. Essa sem dúvida a maior lição do livro. O trabalho é a medida que dignifica o homem. Como diz a galera do séc. XXI, “é o canal”. Através do trabalho nos tornamos pessoas melhores, deixamos nossa marca. Contribuímos com o mundo enquanto a morte não vem. É incrível, como esse imperador, morto há dois mil anos, possa ser tão atual.
No final das contas, entre mortos e feridos, relaxei, meditei e voltei uma pessoa mais sábia. Fica a certeza. A vida do campo é romântica, mas, bom mesmo é a cidade. Fazenda tem prazo de validade: três dias. Mais que isso é loucura. Luzes, barulho, diversão. Esse é meu mundo. Aprendendo a pensar em meio ao caos.
Eliane Brito,
Escritora e advogada.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

O prazer de viver- notícias do cerrado.


Assisto ao noticiário todos os dias. Eles retratam a vida moderna, suas tensões e dificuldades. Sem sombra de dúvida, o mundo está desequilibrado. Observo problemas ambientais, de relacionamentos, violências, guerras e protestos. Esses dias a apresentadora do telejornal, exclamou, após uma seqüência de notícias ruins, quando noticiou um fato positivo: _ Ufa! Finalmente uma noticia boa!
Se observarmos nossa casa, no caso a terra, pelo ângulo do meio ambiente, perceberemos que a destruição que assola nosso planeta é enorme. Divulgaram uma foto do espaço aéreo terrestre, totalmente poluído por milhares de artefatos. Somos um imenso globo azul, rodeado de uma quantidade enorme de lixo espacial. E aqui dentro não é diferente. O lixo está por toda parte, nas nossas cidades e o pior na mente do ser humano.
Acredito piamente que o mundo exterior reflete nosso estado interior. O que nós pensamos de alguma forma se manifesta a nossa volta. O ser humano passa a impressão de estar fora de rota. Agonizando sem saber se proteger e viver uma vida integrada com a natureza e com seu semelhante.
Outra faceta de nossa personalidade que reflete essa intensa desagregação são os relacionamentos. As pessoas realmente se esqueceram do que importa. Esqueceram-se de manifestar amor e respeito. Os padrões rígidos que nossa sociedade seguia no passado, com base nos mandamentos cristãos, pelo menos serviam para uma coisa. Deixar bem claro o que era importante. Coisas como honrar pai e mãe; não matar; não roubar; lembrava-nos que existe algo sagrado em alguma parte de nós. Nossa filiação divina.
Mas essas coisas hoje em dia são bregas, são ultrapassadas. Os filhos discutem em pé de igualdade com seus pais e muitas vezes utilizam recursos de humilhação e desqualificação impensáveis há poucos anos atrás. Em contrapartida os pais resolveram reagir. Agora quando o filho enche muito o saco, eles o jogam pela janela! Essas coisas me pesam e começo a me sentir muito velha. Sinto as costas curvadas de tristeza e compaixão por essa humanidade maluca.
Quantas máscaras sociais! Quanto ódio as pessoas mascaram sob uma capa de cordialidade. Quando vemos casos como o de Isabela Nardoni, percebemos que existe algo de muito podre nessa sociedade. As pessoas quando permitem exteriorizar seus medos e tensões, explodem em um ódio absurdo e irracional. Todas as pressões dessa cultura mesquinha se extravasam no local que deveria ser o mais sagrado para o ser humano. Seu lar. As máscaras caem e as pessoas se transformam em bestas, em verdadeiros predadores. É ódio puro e letal. A outra face da humanidade, aquela que deveria ser minimizada, aparece e nos deixa estarrecidos.
Nessa balbúrdia, a beleza e o prazer da vida se embotam. Como dizem os franceses, “o joie de vivre”. Apreciar uma boa refeição, uma boa música. Trabalhar com alegria, pois, é uma honra servir as pessoas. Dormir tranquilamente, sentindo a textura do lençol, a maciez do colchão. Gozar das delícias de um abraço apertado e do luxo de olhar dentro dos olhos de quem se ama por intermináveis cinco minutos. Fazer uma guerra de travesseiros ou ficar sem fazer nada, só olhando as nuvens no céu, procurando distinguir suas formas mágicas.
Tudo se perdeu? Não sou pessimista, mas, ultimamente... A confusão da vida moderna têm me exaurido. A sensação é de ser fraca e impotente para reagir perante esse mundo dominado pelo ódio e pelo desamor. Queria voltar a ser criança, acreditar que tudo é belo. Que o mundo é um lugar seguro e que as pessoas são confiáveis. Se alguém tiver alguma fórmula para me ajudar nessa regressão me envie. Uma fórmula que me faça lembrar que o amor existe. Só está escondido em algum lugar entre o céu e a terra.

Eliane Brito.
É escritora e advogada.(Crônica publicada no jornal "o popular" do dia 26-05-08).

quinta-feira, 27 de março de 2008

Mulher de verdade...


Esse mês comemorou-se, no dia 8 de março, o Dia Internacional da Mulher. Quedei-me pensando sobre a importância de ser mulher, de viver no mundo dentro dessa realidade. Será que eu seria totalmente diferente se fosse homem? Se tivesse dez vezes mais testosterona circulando no meu corpo, isso mudaria alguma coisa? Sentiria as coisas em outra dimensão e profundidade? Tantas perguntas e respostas incompletas. Entre corpos e vivências tão diferentes, homem x mulher, o que temos em comum? O elo a nos unir, seria o fato de pertencermos à mesma espécie? Capazes de chorar, lutar, sentir medo, sorrir, sofrer e ter compaixão. Creio que sim. Vivemos imersos no planeta terra, respirando o mesmo ar, sentindo a mudança das estações, a vida florescendo, somos diferentes e ao mesmo tempo tão parecidos.
A questão básica para mim é que, na verdade, enxergamos o mundo de formas diferentes, isso a ciência já comprovou. Perdoem-me as feministas. Não sou igual. Sou um mecanismo altamente complexo e diverso do masculino. Com apetrechos e acessórios únicos e capacidades totalmente diversas.
Quando nasci mulher, o recado de Deus para mim foi claro.
”Mesmo que você quiser ser dura, você será fraca. E quando você precisar ser frágil e chorar (por exemplo, olhando os olhinhos de um filho doente), você será forte. Com a força do seu caráter, mais uma vez será a portadora da vida! Você será sensível...mesmo que queira ser firme como uma rocha. Não adianta, você enxergará através das armaduras e poderá sentir onde sua presença e palavras são necessárias. Você amará. Mais vai amar tanto! Mais tanto! Que o peito as vezes parecerá que vai explodir. E não adianta tentar se vestir com o personagem da mulher forte e bem resolvida. Por dentro você vai sangrar. Como um instrumento altamente sensível, você sentirá cada golpe da amargura, do desespero e da dor do seu próximo!”
E sua vida será doação. Um pouquinho para todo mundo. O marido, os filhos, amigos, parentes... E quando você estiver exausta e exclamar: _Não tenho mais forças! Deus lá do alto dará uma risada e lhe dirá: “Minha querida, você tem muita força! Eu te fiz maleável como a água, forte como o ferro, ardente como o fogo e suave como o vento. Você pode penetrar por todos os caminhos e realizar tudo o que quiser. E no final da sua jornada, quando você pelo meu poder e força ultrapassar a barreira dos 80 anos e pensar que sua vida chegou ao fim! Eu te armarei com sua defesa mais poderosa. Um belo sorriso. E a gratidão de todos os seus, pois, você verdadeiramente foi sal do mundo! Trouxe sabor à vida.”
Enquanto escrevia, lembrei-me de minha avó. Mulher humilde, dona-de-casa. Vicentina Pinheiro de Brito. Oitenta e tantos anos. Criou nove filhos, ficou viúva jovem. Nunca mais se casou. Dedicando sua vida aos outros. Primeiro aos filhos, depois a um monte de netos e bisnetos. Porto seguro de todos, quanta fibra, quanta coragem pra encarar a vida! Rezadeira. É um neto adoecer, ou algo mais grave acontecer, lá está ela frente à fotografia de “Padre Eustáquio”, terço na mão. Às vezes chora, mas não se aquieta, enquanto trabalha , anda pela casa, pensar em descansar, jamais!
Enfrentou todos os problemas da vida de cabeça erguida, sem entregar a luta! Doenças, viuvez, pobreza. Quando visualizo a vida de minha avó, sua jornada penso em como foi dura e o quanto ela foi forte. Foi ela que me ensinou a levantar após cada queda e seguir em frente, com fé em Deus e coragem. Sempre me diz com sua voz levemente rouca. “Olhe só, nós somos uma família de pessoas boas... todos os filhos me deram alegrias, todos honestos, trabalhadores, saudáveis, nossa família venceu muitas dificuldades, mas, com dignidade.” Pra arrematar exclama com orgulho: “Todo mundo gosta de mim.” É verdade ... Gosta mesmo.
Quando era criança, sempre que a acompanhava ao mercado, mesmo com o dinheiro minguado, reservava umas moedinhas para minhas guloseimas, uma balinha ou uma maria-mole ,( daquelas cor-de-rosa, cheias de corante). Sempre limpando, cozinhando, uma formiguinha esperta, zanzando de um lado para o outro. O fogo aceso no fogão, nos lembrava que ali tinha um coração. Aberto para todos, pronto a servir. Era eu chegar e ela chamar alguém e mandar comprar couve. Dizia imperativa: “A Eliane adora couve refogada com feijão”! Falo no passado, pois hoje ela praticamente não cozinha mais. Lembra-se de cada desejo, de cada mimo. Gestos de amor.
Quando penso em uma mulher, penso em minha avó. Corpo pequeno, pra comportar tanta doçura. Hoje, após todas as tempestades, traz as faces vincadas, sulcos abertos pelas alegrias e dores, mas traz também a suavidade e a força inerente a todas nós. Ensinou-me dentre tantas, uma lição preciosa: Um lar não é feito de bens materiais. É feito de amor, feijão, couve, uma coberta quentinha e um abraço apertado.
A força de uma mulher se mede nessas pequenas coisas. Nos atos singelos da vida, que transcendem os sexos, as definições e nos catapultam para nosso estado de filhos de Deus e portadores do poder do bem e do mal.

Eliane Brito.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Paciência.


Ontem acordei com torcicolo, assim que abri os olhos já senti uma dor aguda no lado esquerdo do pescoço. Achei que iria passar com um pouco de paciência, mais, que nada. Após um banho quente, quando deixei a água cair abundantemente sobre o pescoço, piorou. Latejava e eu sentia como se uma agulha estivesse me penetrando. Do lado que doía, fiquei até surda. Não tinha saída, resolvi ir ao médico. Prescrição. Relaxante muscular, analgésicos, compressas... Voltei pra casa, tomei um coquetel de remédio, cancelei todos os compromissos e dormi por algumas horas.
Quando acordei estava realmente muito mal-humorada. O dia interminável se estendia pela frente e eu não podia e não queria fazer nada na rua naquele estado. Uma leve depressão desceu sobre minha cabeça como uma nuvem. Liguei o computador, abri o MSN e não tinha nenhuma amiga conectada, ou pelo menos, alguém com quem eu quisesse conversar. Meu mal-humor só aumentava. Naveguei por uns sites esotéricos, li meu horóscopo, que alertava, “marte estava em meu signo, causando transtornos e mudanças”. Ahã. Já havia percebido.
Atingindo o auge do desespero, resolvi jogar paciência no computador. Pedi que distribuísse as cartas e comecei. Modéstia a parte, eu sou boa nisso. Adoro quando “melhoro meu tempo” e no final do jogo, cai aquela cascata de cartas na tela. Mas, naquele dia, até o computador estava me sacaneando. Só saiam cartas ruins, não sei se eram os remédios, ou minha cabeça que latejava, mas, eu não conseguia ganhar!
Quando abria o jogo e via que as cartas não eram boas, já pedia para distribuir novamente. Naquele estado de espírito depressivo comecei a pensar que a vida também podia ser assim. Quando observássemos as cartas na mesa e o jogo não estivesse bom, como seria bom dar apenas um clique e pedir pra distribuírem novamente. Até que saíssem dois ases, ou quem sabe alguns reis, encabeçando as colunas. Aí sim valeria a pena.
Se a vida fosse um jogo de paciência, não valeria desistir. Tínhamos que pegar as cartas ruins e tentarmos trabalhar com elas. Alguns desistem, saem do jogo, como aquele ator, Hugh Hefner. No meu jogo de paciência, desenvolvi uma técnica, quando o jogo está ruim, começo a subir as cartas menores, subo o que eu posso, para ver se libero alguma carta melhor que está escondida ali embaixo daqueles montinhos.
Outro cuidado que eu tomo é na hora de comprar uma carta. Pra se colocar cartas novas no jogo é preciso analisar bem, se não estamos deixando de utilizar uma carta que já está ali, mas, que apenas não enxergamos, durante o desenrolar das jogadas. Se você compra errado... o computador é implacável! E a vida também...
Mas, como fazer isso na vida? Como subir as cartas? Comprar certo? Vencer o jogo! Simples. Precisamos reinventar. Pegar as nossas vidas, mudar as coisas de lugar, fazer diferente. Usar uma roupa colorida, fazer novos amigos, sair de peito aberto pro mundo, comer comidas diferentes, viajar. E assim, liberamos o que temos de melhor. Mas, desistir do jogo? Nunca. Sempre pode ter um ás escondido por ali e isso faz toda a diferença.

Eliane Brito é escritora e advogada.


quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Sexo tântrico e outras coisitas más...


Sábado passado fui a um charmoso barzinho em Goiânia. Grupo grande, todos alegres, cerveja geladíssima, papo animado. Teria sido uma noitada típica, não fosse um incidente, que fez com que a conversa girasse a noite inteira sobre sexo. Eu como sempre, gastei horas debatendo com meus amigos, sobre os enfoques que o ato sexual tem através do mundo. A forma como a humanidade vê o ato sexual e a falta de maturidade com que alguns jovens iniciam a vida sexual hoje em dia.
Bom, vou saciar a curiosidade de vocês. Já posso até ver a cena! Você aí do outro lado, grudadinho na cadeira, olhos arregalados, querendo saber que papo de sexo é esse. É meus amigos; o assunto é instigante e prende nossa atenção.

Tudo aconteceu assim: Sentada em uma mesa um pouco a frente da nossa, estava também um grupinho de vários casais batendo papo e não pude deixar de reparar, bebendo vodca, com uma garrafa já pela metade. Eu realmente não fui a primeira a ver a cena. Quem deu o alarme foi um amigo, que se sentava de forma privilegiada, defronte ao espetáculo. Certa senhorita, com cara, tenho de admitir, de “moça de família” (dessas que se você vê na rua, pensa logo que foi muito bem criada), começou a bolinar o namorado, esfregando a mão por cima da calça jeans, pegando o “órgão sexual “ com a maior cara de pau (literalmente). Os dois se sentavam bem próximos, de forma que os amigos achavam que ela estava apenas com a mão nas pernas dele, aconchegados. Mas nós, que estávamos um pouco mais recuados, podíamos ver com clareza a cena. A mãozinha dela trabalhando, sem parar e o rapaz, com cara lerda, safada, recostado tranqüilo acompanhando a conversa do restante do grupo, como se nada estivesse acontecendo.
Minha mesa entrou em polvorosa. Passamos a acompanhar a cena com atenção, esperando um desenlace, ou quem sabe, um orgasmo mesmo! Mais nada. Todos os tipos de brincadeira surgiram, criamos até uma banca de aposta, para ver em quantos minutos o cara ia gozar. Uma amiga mais moralista começou a ficar indignada, exclamava com raiva contida: - Por que esses dois não procuram um motel? Que absurdo! Outra amiga mais liberal argumentava: _ Nossa, isso é super comum, essa galera anda doida, transa em qualquer lugar.
Os homens acompanhavam a cena compenetrados, com aquela cara que homem faz quando vê um colega se dando bem, de paisagem... Mas, um não conteve um comentário indignado, quando a protagonista do evento, notando o alvoroço em nossa mesa, virou-se, encarou a todos nós desaforadamente e continuou o serviço, com a maior tranqüilidade. O mundo caiu! Os homens exclamavam! “É. Não dá mais pra saber quem é quem... a mulherada está com um fogo!” E por aí foi...
Eu como sempre comecei a filosofar. “Expliquei para eles como o Yôga via o sexo entre duas pessoas.” Era um ato sagrado, que recriava o ato primordial de Deus. E nós, como seus semelhantes, também tínhamos esse poder. Essa atitude íntima entre um homem e uma mulher, liberava uma energia tão grande, que poderia gerar um outro ser humano e até mesmo modificar a vida de uma pessoa, realizando uma grande transformação pessoal. Tanto isso é verdade, que no Yôga, no budismo (em algumas correntes) e outras religiões, um dos caminhos para se alcançar a iluminação ou o nirvana, é o sexo ritual.” Existe uma cerimônia no Yôga, denominada Maithuna, que é de um simbolismo e de uma profundidade tremenda. Exclamei, e fui, relatando essas práticas orientais...
Uma amiga perguntou: _conta mais, como é essa cerimônia? Então continuei. O casal, de banho tomado, chakras massageados e perfumados, pêlos depilados ou pelo menos aparados, acende uma vareta de incenso, sentando-se de frente um para o outro, completamente nus e meditam por alguns minutos. Depois, olhos nos olhos, ficam durante alguns minutos fazendo a respiração que consiste de, bem próximos, tentarem respirar em harmonia, um sorvendo o alento do outro. Muitos carinhos, abraços apertados para estimularem os chakras, principalmente o cardíaco,começam o intercurso sexual, que pode durar horas, pois, no sexo tântrico, recomenda-se retardar o máximo possível o orgasmo. Existem técnicas que auxiliam nisso.
Os amigos empolgados falaram: " Gostei! esse negócio é bom!” Enquanto isso a moça e o rapaz, que deram início a essa conversa, Se levantaram despediram de todos e foram embora. Só Deus sabe pra onde. Nós ali, não tínhamos dificuldades para imaginar aonde aquela noite ia acabar... E a conversa continuou solta. Pois, quando a moça se levantara, vimos que ela não poderia ter mais do que dezesseis ou dezessete anos. Ficamos chocados! Eu como adoro formular uma teoria sobre tudo. Argumentei que o sexo hoje era algo totalmente descartável. Nessa cultura consumista em que vivemos, as pessoas não valorizavam mais esse ato tão lindo e poderoso. Tenho de concordar que no passado se supervalorizava. Criando conotações e conseqüências dramáticas para uma necessidade do ser humano. Quantos não morreram na fogueira por suas práticas sexuais? Mas, banalizar? Aí também eu não concordava...
E o debate continuou, noite à dentro, cada hora surgia uma teoria mais estapafúrdia que a outra. E o chopinho chegando “mofado”, picanha na chapa, fumegando... as horas correram rápidas, como só acontece por aqui. No final da noite, um amigo chegou à seguinte conclusão... Quer saber a verdade? Exclamou, levantado o copo de chope: -Sexo é bom de todo jeito...tântrico, sagrado, o diabo a quatro e até “goiano” que é o melhor jeito!
O riso foi geral! Era isso mesmo, argumentou outro: _ Até quando é ruim é bom!
E tenho dito!

Eliane Brito é escritora e Advogada.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Retratos de Goiânia.

Segunda feira levantei cedo, decidida há ter uma semana produtiva. Para começar o dia resolvi caminhar... Essa atividade, pelo menos para mim, sempre foi uma forma de organizar as idéias, planejar a semana e praticar um pouco de meditação ativa. Técnica que muitos esotéricos recriminam, mas, que para mim funciona. Pelo menos por alguns minutos. Sempre caminho na Alameda das Rosas, parque encravado no coração de Goiânia, onde fica também o zoológico municipal e um lago de mesmo nome da alameda. Fiz alguns exercícios de alongamento e Yôga e só então, dei os primeiros passos. Respirando profundamente e agradecendo a Deus por um novo dia.
Comecei a primeira volta em sentido horário e naquele amanhecer, as calçadas estavam tomadas pelos atletas matinais, idosos, donas de casa, atletas, obesos e toda a fauna que compõe os caminhantes de Goiânia. Rapidamente percebi que não conseguiria meditar, pois, minha atenção se desviava para os personagens que cruzavam meu caminho. Não pude me furtar ao meu esporte predileto: Observar pessoas. Tipos variados cruzavam por mim, alguns mais peculiares, deixando seus retratos gravados na minha retina.
Observei uma senhora que subia um trecho mais íngreme, amparando,o que eu deduzi, fosse a filha deficiente, que caminhava com dificuldade. A cabeça da menina, muito grande, em relação ao resto do corpo, pendia de forma descoordenada. Carinhosamente, de tempos em tempos, parava, enxugava o suor da mocinha e retomavam o exercício. Admirei-me com o carinho e atenção que eu percebia nos gestos daquela senhora. Muitas vezes já observara esse cuidado em outras mães de deficientes. Alguns seres humanos, quando aparecem as dificuldades, conseguem transcender e deixar seu lado meigo e delicado aflorar. Aquela mãe havia cruzado essa ponte e na verdade, quem se superava na caminhada era ela, que transbordava puro amor e cuidado. Lembrei-me de minhas filhas e pela segunda vez naquele dia agradeci a Deus, a dádiva de ter filhas perfeitas.
Continuei meu caminho e avistei uma moça muito bonita caminhando em sentido oposto. Passou por mim, falando sozinha, com semblante carregado. Sua expressão denotava raiva, revolta, a boca se retorcia levemente para baixo. Com certeza, se alguém lhe contasse que ela falava sozinha enquanto caminhava , gesticulando levemente, provavelmente ela não acreditaria. Assim como eu, ela planejava seu dia e as ações que deveria executar. Porém, não tinha o autocontrole para dominar seu corpo e viver em plenitude o dia que despontava. A festa que os passarinhos faziam nas copas, o verde intenso das árvores nessa época chuvosa. O delicioso cheirinho de terra que nos acolhia. Pensei comigo mesmo. Se ela relaxasse um pouco, descontraísse a expressão, poderia até vir a ser uma pessoa mais bela.
Observei que ali, naquele parque, desfilava pela minha frente toda a humanidade. Com sua carga de dor, de beleza e de desespero. Lembrei-me de um livro que havia lido tempos atrás, que se intitulava “o corpo fala”. Decidi observar a postura e a expressão dos transeuntes para ver o que me diziam. E assim, nesse jogo, descontraidamente, segui adiante.Cruzei com um senhor gordinho, com uma barriga enorme. Dizem que do tipo mais propício para ataques cardíacos. Dura e redonda como uma melancia. Caminhava com certa dificuldade e arfava um pouco. Sua testa coberta de suor e a camiseta encharcada denotavam que ele fazia um grande esforço. Aquela barriguinha ali (não é por nada não...), é típica de alguns goianos quarentões. A grande produção de carnes do nosso estado é propícia para fomentar o hábito do churrasco. Regado a muita cerveja, é claro. Com o desenrolar dos anos o resultado era a chamada barriguinha de chope. Que para perder, realmente era difícil...
Parei em um quiosque próximo a entrada do zôo, pedi um coco geladinho e tirei alguns minutos para relaxar. Minha atenção foi desviada para um casal de idosos sentados a mesa ao lado. Evidentemente estavam iniciando um namoro, olhos nos olhos, todo o gestual dos apaixonados. De aparência simples, roupas modestas, gente do povo... Estavam se conhecendo. O velhinho contava sua vida, que tinha aposentado no ano anterior e que ficara muito satisfeito por receber a ligação da velhinha. Ela sorria satisfeita e dizia que havia pensado muito e resolvido ligar. Tinham com certeza quase setenta anos. Pensei comigo: “é. O amor não tem idade”. Intrigada, meditei que esse impulso para o amor provavelmente não acabava nunca. Eles se levantaram e foram andando, alegres e lépidos em direção ás bilheterias do zoológico e eu resolvi retomar minha caminhada.
Correndo em minha direção, vinha uma moça, que parecia saída de um comercial de produtos esportivos. Roupas de ginásticas caríssimas, ipod conectado, corpo esculpido com muita ginástica, vitaminas e nos dias de hoje até podia arriscar... algumas lipos, quem sabe? O lado bom disso tudo é que realmente ela transpirava saúde. Seu semblante era sereno e agradável e parecia que realmente ela estava desfrutando a jornada. Dizem que o exercício físico libera endorfinas e olhando para seu rosto, não ficava nenhuma dúvida, era o próprio retrato da mulher bem resolvida.
Quando já estava quase finalizando minha caminhada, diminui o passo, observando um pequeno grupinho que caminhava à minha frente, eram três mulheres, com grandes camisetas e moletons antigos, levemente gordinhas, evidentemente todas estavam fora de forma. Uma delas contava para as outras sobre uma festa que havia comparecido no final de semana. Uma briga que houvera e alguns desaforos que escutara (Não é que eu goste de escutar as conversas alheias, mas, caminhávamos no mesmo ritmo e era realmente inevitável que eu ouvisse pelo menos alguns trechos)... Todas davam seus palpites e eu quase dei o meu...Enquanto ultrapassava o grupinho, uma delas aconselhou indignada: _Porquê você não chamou a polícia? “Você é boa demais Maria...” Olhei para trás e li os dizeres na camiseta da Maria. “100% mãe.” Notei que ali acontecia uma espécie de terapia coletiva, iam desfiando seus problemas, se aconselhando mutuamente. Evidentemente eram donas de casa, com suas mazelas comuns a grande parte das mulheres. Família, filhos, maridos, etc..
Segui para casa estranhamente revigorada após essas andanças. De alguma forma, me senti reconfortada por esses personagens urbanos... Era a vida em sua plenitude pulsando pela cidade. A cidade como um organismo, despertava, expondo todos os seus atores, nesse grande palco da vida. E eu estava lá. Compondo também esse cenário. Então, pela terceira vez naquele dia agradeci a Deus. Agora pela minha vida.

Eliane Brito
É advogada e escritora.


terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

“Eu acredito em Al Gore”. 12/07



Goiânia, calor, calor Goiânia... Hoje fui dominada por uma terrível compulsão... Escrever sobre o calor que está assolando nosso estado e nossa capital. Não posso me calar! Feriado de dia das crianças, pensei em várias opções de viagem e rechacei todas sistematicamente, resolvendo não viajar. Em um primeiro momento cogitei em Pirenópolis, mas, segundo informações de amigos, devido à seca, as cachoeiras e rios estão com pouquíssimo volume de água. Depois pensei Caldas Novas. Nossa! Só de pensar fiquei agoniada... Tudo que eu consigo imaginar é uma piscina com água bem geladinha... Convidaram-me para ir ao Mato Grosso, descobri que lá é que estava quente mesmo, desisti! Bom, no final fiquei por aqui mesmo, organizando um fim semana light... Mas, nesse dia das crianças, coitada delas, a temperatura estava opressiva.
No início do dia, chamei todos os sobrinhos e fui para a piscina... Entre o esforço de espalhar sistematicamente toneladas de filtro solar nas costinhas infantis, garantir o suprimento de água e refrigerante, retirá-los do sol escaldante do meio-dia e de dentro da água, à custa de muita birra, até que foi divertido... O dia foi passando, fervente, molenga, como que cozinhando em fogo brando... Depois do almoço, crianças chorosas, mães extenuadas, “tias” estressadas, na batalha de lutar contra o cansaço e a temperatura...
No final da tarde, o céu se tornou embaçado, com leves tons de violeta, mesclado de alaranjado... Parecia que uma nuvem pairava sobre a cidade, que esfalfava de calor e poeira suspensa...Sentada em um barzinho, tomando uma refrescante tigela de açaí, comecei a meditar sobre o aquecimento global. Pela primeira vez, confesso, acreditei em todas as previsões de “Al Gore”, o Vice- presidente de Clinton. Aquele, do documentário, “Uma verdade inconveniente”. Um dos ganhadores esse ano do Prêmio Nobel da Paz. Noticiado agora enquanto escrevo.
No início, quando se falava nesse assunto, camada de ozônio, meio-ambiente, eu não dava importância nenhuma, até desconversava... Confesso que achava que era mais uma bandeira que os políticos levantavam, procurando atenção. Mas, hoje, tive um insight, olhando o céu, observando a natureza ressequida, as pessoas extenuadas, percebi claramente que existe algo errado. De alguma maneira a terra não está reagindo da forma habitual. As últimas primaveras, decididamente não são como as de minha infância. Coloridas, floridas e com chuvas esporádicas e agradáveis...
No meu delírio imaginativo, fiquei me lembrando de quando eu era criança. Os banhos de chuva que já tomei, sob os protestos enérgicos de minha mãe. Só me arrependo de ter tomado poucos... Hoje daria tudo pra sentir o cheiro da chuva castigando a terra, pisar o barro, olhar para o céu e ver nuvens escuras pesadas, despejando água sem dó, fertilizando os campos e preparando o cenário para mais uma farta colheita... Milho para pamonha, pequi, jabuticaba, ingá, tudo de maravilhoso que o cerrado nos proporciona...
Termino esse artigo com um suspiro sentido e uma certeza. Vou começar a fazer a minha parte, se depender de mim vou contribuir para diminuir esse cenário horrível que se descortina. Vou reciclar lixo, papel, tudo. Economizar água. Andar mais a pé. Etc...Sim, Al Gore, quero garantir para os meus netos a possibilidade de tomarem esse banho de chuva, de correrem pelos pelas ruas com a água batendo no rosto e um sorriso estampado na cara; e o principal, vou pegar o meu terço e fazer uma novena pra Nossa Senhora Aparecida, afinal, na verdade o dia hoje é dela. Adivinhem o que eu vou pedir? A melhor coisa do mundo: Água. Simples assim.
Eliane Brito é escritora e advogada.