segunda-feira, 23 de junho de 2008

Carta aos Orianos



Saudações aos habitantes da maravilhosa constelação de Órion. Posto essa carta, no Ciberspace, na esperança de que chegue a seu destino. Por aqui, tudo bem! Alguns tufões, alagamentos, terremotos, um ou dois vulcões em atividade, mas, no geral, vamos sobrevivendo. Escrevo do planeta terra, especificamente um país chamado Brasil e para ser ainda mais exata, de uma região chamada Goiás. Estamos em uma área relativamente estável geologicamente, até agora não aconteceram grandes cataclismos por aqui. Mas, segundo os especialistas ambientais, isso não vai durar muito. A terra está se aquecendo, os mares estão elevando e aqui na minha região podem ocorrer grandes tempestades de raios... Vai ser uma loucura.
Quando vejo os noticiários do meu mundo, a impressão que tenho é que estou em outro planeta. Muitas calamidades assolam a terra, algumas menos palpáveis, porém com grande poder de destruição. Um exemplo é a violência que ganha a cada dia mais força, queridos Orianos. É perigoso andar pelas ruas, principalmente à noite, devido ao grande número de assaltos. Além do mais, temos um trânsito caótico. A boa notícia é que o governo do meu país aprovou uma lei punindo severamente quem matar outro terráqueo, conduzindo um de nossos veículos (naves). Imagine que aqui, quando uma pessoa ingeria muita bebida alcoólica (substância que provoca alterações cerebrais), o que é considerado normal, matando ou provocando qualquer tipo de acidente, não acontecia praticamente nada. É nada! Às vezes se pagava uma ou duas cestas básicas, que é um sistema punitivo inventado por nossa justiça. Agora isso mudou... Foi considerado crime doloso, o que quer dizer que o condutor da nave agiu com intenção de lesionar ou matar. Espero que isso contribua um pouco para melhorar a situação.
Como é a política por aí? Vocês têm governantes? Aqui elegemos representantes para falarem por nós (pobres mortais) em uma grande assembléia de líderes de todo o país e regionalmente também. É uma grande responsabilidade. Até eles serem eleitos, amigos Orianos, é uma grande festa! Recebemos muitas visitas, cartinhas lindas, convites para coquetéis, jantares, tapinhas nas costas e muitas promessas. O mundo ganha um novo colorido. Parece que tudo vai mudar, que o planeta vai ser salvo e nós também. Mas, basta eles serem eleitos, são acometidos por uma terrível amnésia. Geralmente os vencedores viajam, uma ou duas semanas para outra parte do globo para descansar. Eleição é muito desgastante! Depois, assumem suas funções e somem. Fica muito difícil se aproximar desses representantes. Amigos Orianos, eles contratam um montão de gente, chamada de assessores, criando em torno deles um verdadeiro escudo intergaláctico. Para se aproximar são necessários centenas de telefonemas, e-mails, papéis, as pessoas acabam desistindo... Por fim começam as denúncias de corrupção, falcatruas, desvio de dinheiro público. Parece que eles se esquecem que estavam ali para falar e agir por nós. Ai, meus amigos de Órion, é muito triste! Eu prometo a cada eleição que não vou cair nesse papo furado, mas tenho um coração de manteiga (é uma expressão que usamos aqui) e sempre acabo caindo na mesma esparrela.
Eu estava pensando... Por acaso aí em Órion vocês aceitam visitantes? Não que aqui seja ruim, não é isso... Mas sinto vontade de mudar de ares, seria realmente maravilhoso conhecer um outro planeta, sem todos esses problemas. Tenho certeza de que Órion deve ser lindo! Quem achar... Responda-me o mais rápido possível! E, caso seja positiva sua resposta, peça para uma nave me buscar. Minha bagagem já está pronta. Levo apenas um livro bastante comentado por aqui. É um livro de piadas... seu nome é Constituição. É realmente hilário! Mas, isso é outra história, depois lhes conto.
Saudações terráqueas!

Eliane Brito é escritora, advogada e pronta para ser abduzida

sexta-feira, 13 de junho de 2008

AMORES POSSÍVEIS



Anais nin, escritora, disse o seguinte: “A vida se retrai ou se expande na proporção da nossa coragem.” Achei a frase interessante e oportuna, pois recordei-me de várias conversas que tive, nesses dias que antecederam ao “dia dos namorados” com amigas jovens, solteiras e sozinhas. Perguntei o porquê dessa situação e as desculpas foram diversas. Algumas alegaram que eram muito independentes e não queriam se prender a ninguém, outras que não tinham muito tempo e ainda que não existem homens disponíveis no mercado e por aí foi...Ao final, conclui com precisão e espanto, que todas cultivavam amores impossíveis.
Uma amiga me relatou que se apaixonara por um rapaz e quando o pressionara para iniciarem um namoro ele afirmou que era Gay. Outra me disse que era perdidamente apaixonada por um colega de trabalho casado e que não via como esse romance poderia se concretizar. Uma terceira me disse que gostava de um rapaz que residia em outra cidade...dificuldades e mais dificuldades. Na minha experiência como mulher e como mãe, pude identificar um sentimento que de vez em quando vejo no rostinho de minhas filhas. Medo. Que lembrando a frase acima, é o antônimo de coragem. Levando a essa contração da vida emocional dessas jovens.
Essas moças na verdade, lutam contra a timidez, com seus próprios limites, com a incapacidade de se envolverem em uma relação mais profunda. A realização pessoal exige sacrifícios. Todos sabem que um relacionamento envolve mudanças, quebra de paradigmas, reestruturação. Quando nos relacionamos com quaisquer pessoas, utilizamos nossas habilidades de comunicação, simpatia, equilíbrio e estabilidade emocional. São relações delicadas que exigem acima de tudo amor. Ops! Não queria dizer essa palavra tão desprestigiada nos dias de hoje, mas, saiu! Amar nesses dias que vivemos é totalmente incompreensível para esses jovens, que segundo os especialistas, são os mais individualistas e egoístas de toda a história.
O jovem hoje em dia não aceita mudanças. Nada que o tire de uma rotina de prazer e divertimento. Nossa sociedade calcada no hedonismo, rejeita tudo que possa representar dificuldades. Claro, pois, todo relacionamento envolve o bom e o ruim. O prazer e a dor. Cria limites. Percebemos claramente, que assumir responsabilidades, por si mesmo e pelos outros é difícil. E um relacionamento gera responsabilidades, nem que seja pelo sentimento do outro. Pela possibilidade de feri-lo.
Essa geração pós- ditadura aprendeu a se calar, se proteger e isso tem refletido até nas escolhas amorosas. É preciso se entregar, se arriscar, para mudar o mundo e ser feliz. É preciso se permitir sofrer, chorar, se for o caso. Quando se escolhe o impossível, fica a impressão que é uma fuga... E o pior de si mesmo. Escolher um amor “possível” é um ato de coragem. E Amar pode acabar sendo a aventura mais radical de sua vida.

Eliane Brito, mãe, amiga, escritora e advogada.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

VIDA DE CÃO


Enquanto olhava o anúncio feito por um “pet shop”, por uma fração de segundos tive vontade de ser uma cadela. Colorida e vistosa a propaganda trazia uma cachorra peluda e eu diria que, sorridente, com um lacinho na cabeça, recostada em macias almofadas. Anunciava: venha conhecer o nosso maravilhoso Spa ! Temos massagens capilares, relaxantes, hidratação, e luxo dos luxos: Ofurô. Acrescentava ainda, que tinham serviços de hotel, com alimentação especial e tratadores treinados. Fiquei estupefata e um pensamento me ocorreu de assalto. Muitas pessoas provavelmente nunca receberam esses mimos na vida e nunca receberão. Quantos humanos nunca usufruíram de uma boa massagem, tratamentos de pele e banhos de ofurô.
Rapidamente fiz um cálculo simples, pois, já tive cachorros e concluí que, numa perspectiva otimista, incluindo vacinas, remédios e rações, para se manter um cachorro com todos esses luxos seriam necessários, algo em torno de um salário mínimo. Isso excluindo o primeiro mês, quando se compra o animal, que se for de raça, com pedigree, custa em torno de um mil e duzentos reais. Acrescente-se toda a tralha necessária, casinha, vasilhames para ração, vacinas e roupinhas. Sim senhores! Cães hoje em dia usam roupas e até escovam os dentes. É a humanização canina. Existem até psicólogos para cães, especializados em tratar os distúrbios mais comuns, como crise do pânico...
Recordei-me de minha infância e de minha cachorrinha Laica. Nos dias de hoje ela seria uma excluída. Uma pária na sociedade canina. Coitada! Sem o menor estilo ou classe. Ficava tão feliz, quando eu, munida de uma mangueira, lhe dava um gostoso banho, aproveitando para me refrescar junto com ela, rolando pelo chão. Rações eram raras. Mamãe preparava uma papa de fubá e carne moída, que ela adorava e tenho de admitir, tão cheirosa e apetitosa que certo dia não resisti e escondido, comi um pouquinho da panela. Veterinário ela só conheceu quando precisou se submeter a uma cesariana de urgência. Lembro-me de contar tal fato na escola e de todos os colegas ficarem deslumbrados... Organizaram até uma comissão para visitar a cachorrinha que havia feito cirurgia. Pensando bem, acho que eu a “tratava como um animal”! Hoje isso soaria como uma idiossincrasia, um absurdo inimaginável e para arrematar ainda tenho de confessar... Ela era uma cachorra feliz! Nunca precisou de psicólogo.
Adoro cachorros. São inteligentes, amorosos e trazem carinho e afeto para nossas vidas! Porém, tenho de admitir, não compactuo com o requinte e o glamour com que tratam os mesmos hoje em dia ,beira a insanidade. Percebo que as pessoas estão cada vez mais sozinhas, sem afeto, sem alguém para dividir as alegrias do dia-a-dia. Os cães estão compensando todas as carências e frustrações do homem moderno. A justiça está cheia de casos de divórcios, onde o grande ponto de conflito é quem vai ficar com o cachorro. Parece piada, mas, os envolvidos protagonizam cenas de choro e desespero pelos corredores do fórum. Fica bem claro, que o casal, gostava mais do animal do que um do outro. Se olharmos a jurisprudência, que são as decisões dos tribunais, inúmeros casos envolvem cães. Processos contra condomínios, hotéis, pedido de indenizações. Analisando a história da humanidade os cães atingiram hoje sua idade de ouro. Se o céu dos cachorros existe ele está aqui na terra. Nesse momento da história humana.
Na minha vida procuro estabelecer prioridades. Dentre elas, incluo contribuir para uma boa e séria instituição de caridade. Se puder dispor de algum dinheiro, privilegio o meu semelhante. Se você aí do outro lado é dono de um cachorro, já sei o que está pensando: Como ela é ultrapassada! As vezes sou um pouco antiquada mesmo. Tenho de admitir, possuo o terrível hábito de tratar os cachorros como animais! Deus tenha piedade da minha alma...
Eliane Brito é escritora e advogada.