segunda-feira, 19 de maio de 2008

Sobre autenticidade

























Nós somos o resultado de nossas experiências, dizem os antropólogos. Realmente, acredito que tudo o que vivi levou a construção de minha personalidade e caráter. As crenças que me passaram as situações que presenciei tudo isso deu origem ao que sou hoje: Uma pessoa autêntica.
Digo isso por que essa alcunha sempre me acompanhou durante a vida. Todas as vezes que alguém era perguntado sobre o que achava de mim, pensava, pensava e saía com essa pérola: “Ela é uma pessoa autêntica”. Ultimamente tenho meditado sobre esse conceito. Seria eu autêntica no sentido de ser verdadeira? No sentido de excêntrica? Ou até em um enfoque negativo; grosseira?
Acho que é uma universalidade. Um pouco de tudo isso. Em minhas viagens, aprendi a respeitar o multiculturalismo, a diversidade de concepções e posturas assumidas pelo ser humano. Hoje em dia o lema “respeitar as diferenças” é uma bandeira levantada pelos defensores dos direitos humanos. Mas, no meu cotidiano procuro trazer essa máxima para a realidade. Eu valorizo as pessoas e seus comportamentos. Seus hábitos e suas culturas. Gosto da diferença. Provavelmente é nisso que se assenta minha excentricidade.
Cuidado, pois, se você concordar estará dizendo que a Constituição também é excêntrica. Ela também fez isso quando topograficamente colocou os Direitos e Garantias Fundamentais, antes da Organização do Estado. Fica bem claro em toda a construção da Carta Magna, que o estado é um meio, o indivíduo é o fim.
Então quando eu chego à casa de uma pessoa humilde e ela está comendo com as mãos. Me alimento também. Há quantos anos existem os talheres? Duzentos? Na Índia e em todo o oriente, até hoje se come com as mãos. Isso me faz autêntica?
Por outro lado, fiz uma opção pessoal de sempre que possível falar a verdade. Digo “possível”, por que em muitas situações seria até uma crueldade despejar a verdade nua e crua. Aí resvalo para o perigo de me tornar grosseira. E às vezes acontece... Se estou em uma roda de políticos e for questionada sobre a corrupção, por exemplo. Vou falar da minha indignação com a situação do meu país. O que eu acho dos políticos corruptos. Aí, alguém para amenizar minhas palavras, dirá com um sorriso amarelo: Minha querida, como você é... ãham...autêntica.
_Sou mesmo!

Eliane Brito é escritora e advogada.

terça-feira, 13 de maio de 2008

“O Guia do Imperador”




No último feriado me enfiei no meio do mato. Digo mato, mas, quero dizer uma fazenda bem confortável, rodeada de regos d’água, bicas, moinhos, energia solar e uma piscina aquecida que ninguém é de ferro. Quando resolvi viajar, preparei um estoque reforçado de revistas femininas, de notícias e sensacionalistas, como “Caras”. Mas, para garantir que não ia me faltar divertimento fui a uma livraria e comprei um livro novo. Intitulado: “O Guia do Imperador.” Escrito por Marco Aurélio, um dos maiores imperadores romanos, chamado de “o sábio”. Segundo os historiadores, ele guiou o império romano em uma era de ouro, sendo fiel a seus princípios, sem jamais se corromper. Se comparado com o monte de psicopatas que governaram Roma, já é uma grande coisa.
Primeira meia hora na fazenda deslumbrou-me tudo! Extasiada falava para as minhas filhas: Que beleza! Olha só que ar puro! Olhando o verde das árvores no pomar, exclamava: que maravilha, o barulhinho dessa bica d’água! Que delícia o fogão à lenha! (que eu insisti para a caseira acender, mesmo não sendo hora do almoço, só por que eu achava lindo o fogo crepitando). Elas olhavam minha empolgação com um ar cético, como se eu tivesse enlouquecido totalmente. Andei em volta da casa, respirei fundo, me sentei em um balanço de pneu pendurado em uma árvore e entrei em profundo desespero. Olhava o relógio, só haviam se passado meia-hora. A casa , situada em meio a uma usina de álcool e açúcar, era rodeada por um monótono mar verde formado pelos imensos canaviais. Agarrei-me com o meu livro e comecei a leitura, deitada em uma rede, tarefa que me envolveria por todo o final de semana.
Comparei as verdades ali retratadas pelo imperador com o famoso livro bíblico de “Eclesiastes”. Segundo o organizador, o imperador escrevia suas observações ao longo dos anos, quando acabava de despachar, ao final do dia, colocando sua visão e sabedoria, como se fosse um diário. No começo do livro, já uma frase me chamou a atenção: “Tenha em mente que um homem é avaliado pelo valor das coisas pelas quais se interessa”. E a mulher também, pensei. Parei alguns segundo analisando meus interesses e fiquei intimamente satisfeita. É. No Geral tinha interesses relevantes. Excluindo o salão de beleza semanal, os peelings e as massagens. Até que eu era uma mulher de grandes interesses.

“Se é justo dizer ou fazer algo. É ainda mais justo ser criticado por tê-lo dito ou feito”. Disse Marco Aurélio. Concordo plenamente. Quando publiquei meu livro pude sentir com dureza o peso da crítica. Hoje acho que já estou madura pra lidar com ela. E tenho de admitir, aprendi muito com as poucas críticas que chegaram aos meus ouvidos. (De alguns malucos que não tem absolutamente amor a vida! ) Pensei divertida. E é claro, tenho de dizer, não me arrependo de nada! E estou até escrevendo outro livro. Coragem não me falta e vontade de produzir.
Em outro capítulo ele trata da difícil tarefa de todo ser humano de escolher entre o certo e o errado, sem considerar os nossos próprios interesses, mas olhando o bem comum. Fala sobre princípios, o papel que eles desempenham na vida de um líder. Mas para mim, a frase mais marcante do livro foi: “Compete a você”. Sem dúvidas, seja lá qual for a decisão que precisemos tomar, ou o trabalho a realizar, só nós podemos executar a tarefa.
Comi bolo de fubá, bebi café coadinho na hora, agarrada com esse maravilhoso livro. Recomendo. Não sou uma imperatriz. Mas sou a comandante do meu pequeno reino chamado “lar” e aprendi muito com esse imperador-general de como liderar, tomar decisões e trabalhar. Essa sem dúvida a maior lição do livro. O trabalho é a medida que dignifica o homem. Como diz a galera do séc. XXI, “é o canal”. Através do trabalho nos tornamos pessoas melhores, deixamos nossa marca. Contribuímos com o mundo enquanto a morte não vem. É incrível, como esse imperador, morto há dois mil anos, possa ser tão atual.
No final das contas, entre mortos e feridos, relaxei, meditei e voltei uma pessoa mais sábia. Fica a certeza. A vida do campo é romântica, mas, bom mesmo é a cidade. Fazenda tem prazo de validade: três dias. Mais que isso é loucura. Luzes, barulho, diversão. Esse é meu mundo. Aprendendo a pensar em meio ao caos.
Eliane Brito,
Escritora e advogada.