quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

NOITE FELIZ II!


Acordei e preparei-me mentalmente para uma tarefa que eu já previa árdua, mas que, acabou se revelando, dificílima... Comprar os ingredientes finais para a ceia natalina, ou seja, fazer supermercado. Para estacionar, a primeira dificuldade. Nesses momentos as pessoas revelam sua capacidade de autocontrole e generosidade. Após inúmeras voltas pelo estacionamento, quando visualizei a tão sonhada vaga, meu veículo quase foi atingido pelo de uma senhora, aparentando uns sessenta anos, mas tenho de reconhecer... Tinha a habilidade e a ousadia de uma motorista de dezoito. Caso não houvesse freado com força, certamente teria havido uma colisão. Roubou-me a vaga com classe e habilidade. Fiquei alguns minutos recuperando-me e reiniciei o circuito em busca de outra. Não, sem antes, observar pelo retrovisor a vencedora, descer com ar triunfante do carro, cabeça erguida em sinal de desafio, balançando a chave com ar despretensioso. Bom, se fosse depender de minha agressividade, ela que ficasse com os louros da vitória. Aquilo para mim, não era uma guerra. Pelo menos até aquele momento.
Superada a primeira parte, ingressei no supermercado empurrando o carrinho de compras e parei alguns minutos estarrecida. Estava lotado. A circulação era praticamente impossível... Agradeci mentalmente os tênis confortáveis que havia colocado. Certamente teria de vencer cada pedacinho de corredor com determinação e coragem. Iniciei a maratona com um sorriso simpático cravejado na face. Esbarrões, colisões, desculpas... E eu ali. Sorriso estampado: _Não foi nada, minha querida! Pode passar... listinha na mão, conferindo item por item. Para criar um clima realmente festivo os alto-falantes do supermercado não paravam de tocar baladas natalinas... Achei agradável em um primeiro momento, mas ao final da segunda hora de compras, já estava procurando o QG da tortura, o local de onde saia aquele sonzinho infernal que fazia uma lavagem cerebral em todo mundo. Lá ra lá lá...lá ra lá lá... Fiz uns exercícios respiratórios do Yôga e procurei abstrair... Para coroar tudo, uma senhora havia trazido duas crianças, que resolveram dar uma birra enorme ali na minha frente. Nossa! A voz de um dos meninos era de tenor. Que potência! Conseguiu até ofuscar a musiquinha dos alto falantes. Quando a mãe, enfurecida, não resistiu e lhe pregou um dois tapas no bumbum, tive de me conter. Meu instinto na hora me dizia para auxiliar. Quase falei: _ “Olha, se você quiser eu seguro, enquanto você bate!” Coitada! Para piorar a situação, depois de seu descontrole, olhou para mim envergonhada e começou a chorar também... A coisa estava virando um verdadeiro pandemônio.
Acabei pegando os itens da lista sem checar preço nenhum. Afinal, será que com tanta pesquisa economizaria alguma coisa? Dez? Vinte reais? Fui pegando sem fazer nenhuma análise, o importante era levar todos os produtos. Quando me aproximei dos caixas, respirei fundo novamente. Filas intermináveis... Estacionei no caixa em que o operador parecia mais esperto e aguardei a minha vez. Após alguns minutos, pára atrás de mim a senhora com as duas crianças, agora já calminhas, comendo um chocolate. Sorri de forma tranqüilizadora. Um dos meninos de repente, acompanhou a música que saia do microfone e cantou com vozinha maviosa... “como é que papai Noel, não se esquece de ninguém...” A mãe sorriu e lhe deu um grande beijo na bochecha... Ele com o rostinho todo sujo de chocolate sorriu para mim com ar travesso... a boca toda lambuzada do doce. Nesse momento perdoei tudo... Todas as pequenas contrariedades do nosso cotidiano. As crianças: Essas sim, representam a verdadeira magia do Natal!

Eliane Brito. É escritora, cronista, advogada, autora do livro “Do pequi ao sushi- Crônicas de viagens.” Saraiva bookstore. Publicado no jornal Diário da Manhã do dia 24/12/2008.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

NOITE FELIZ!

dizia minha avó: “O melhor da festa é esperar por ela.” Com o natal não é diferente. Nesses dias que antecedem a véspera do nascimento de Jesus, a agitação e os preparativos dominam nossas vidas. “Menu” da ceia a ser definida, decoração natalina a ser montada, lista de presentes, convidados... Nesse ponto é melhor fazer uma pausa. Aí começam todas as nossas dificuldades frente à família moderna.
Com os novos arranjos familiares, uma série de personagens vai se acoplando as famílias originais, gerando uma verdadeira engenharia doméstica, para acomodar os agregados e dissidentes e finalmente tentar ter uma “noite feliz”. São enteados, madrastas, padrastos, namoradas, que precisam ser devidamente recepcionados sem ofender ou gerar dissensões na família. Ufa! É um esforço hercúleo. Telefonemas e telefonemas são trocados... “Se fulano for eu não vou”... Mas, você ali, firme, na tentativa de viver o sonho hollywodiano da noite feliz! Argumenta, discute, faz análise... ”mas fulano, vocês precisam superar essas dificuldades, isso aí já passou, vamos esquecer”... Difícil...
O natal, de festa acolhedora, acaba se transmutando na ocasião ideal para externar todos os traumas e recalques cuidadosamente guardados e embrulhados em papel de seda durante o ano. Todas aquelas mágoas, rejeições, afloram com certo rancor e transbordam justamente no aniversário do pobrezinho do menino Jesus. Que ali no presépio, escondido no cantinho da sala, também grita sua mensagem em meio a balburdia, mas as pessoas não conseguem ouvir...
E a anfitriã, encarregada de recepcionar toda a adorável família, nessa hora já pregada na cruz e com a coroa de espinho fincada no alto da cabeça, tenta amenizar as situações problemas, ter autocontrole para superar os últimos dias, os mais difíceis, quando as tensões atingem seu ápice. Nesse momento um pensamento começa a se insinuar sorrateiro, “vou cancelar tudo... chega...” Mas, aí se lembra das crianças da família, dos velhinhos, já tão solitários, então, ganha forças para seguir adiante.
E assim, vamos prosseguindo em direção ao tão aguardado dia. A Quilometragem do veículo em um mês supera o primeiro trimestre do ano. Tanto a ser comprado, tanto a ser pesquisado, o celular não pára... Toca o dia inteiro. No carro, na rua, na madrugada...
No final dessa maratona rezo apenas para que os familiares convidados tenham a piedade de poupar pelo menos a anfitriã. Mas, talvez isso seja pedir demais... Sempre terá alguém que não perdoará o peru levemente sem tempero, a rabanada encharcada, a roupa que você usou (aquele vestido vermelho...) que no final, você tem de admitir que realmente era horrível. Minha estratégia para enfrentar a noite feliz será bastante simples... Champagne... Muita champagne... bom humor e que venham mais natais...o Importante é celebrar a vida!



ELIANE BRITO é escritora, cronista e advogada, autora do livro: “Do pequi ao sushi, crônicas de viagens. Crônica publicada no Jornal Diário da manhã do dia 13/12/08.