quarta-feira, 26 de novembro de 2008

SOBRE MERITOCRACIA


Se observarmos atentamente o modo de vida dos americanos, constataremos que toda a idéia de trabalho desse povo, está estruturada em cima do conceito de competência. Tudo naquele país foi construído em cima da meritocracia. É um país onde reina o primado do fazer bem feito, valorizar o tempo, ser o melhor.
Nosso país nasceu como colônia de exploração. Assentado firmemente sobre o escravagismo. Secularmente aprendemos a repudiar a idéia do trabalho duro. A pesada lide, sempre foi destinada as classes inferiores. Aqui, poderoso é quem é bem relacionado, quem compartilha da cultura do “quem indica”, ou o popular “QI”. Quando algo exige algum esforço, sempre vemos alguém se queixando. Um bom exemplo disso são os concursos públicos, que pipocam pelo país.
Concursandos indignados se queixam que os conteúdos são excessivos, que as disciplinas questionadas seriam mais apropriadas para seres extraterrestres. Fico me perguntando se estão certos... Não se pode negar que o conteúdo de um concurso jurídico, por exemplo, é vastíssimo. São assuntos de grande complexidade e extensão. Entretanto, no mundo hipotético, um advogado deveria dominar com clareza pelo menos sessenta por cento das matérias sabatinadas, para exercer seu trabalho com segurança.
Na prática, vemos jovens despreparados ingressando em milhares de Faculdades de Direito, que proliferam por aí, saindo formados e sinceramente admitindo: _Saí sem saber grande coisa! Munidos então de tão respeitado instrumento, o tão sonhado “diploma”, embarcam na aventura concurseira. Sem conhecimentos, sem método, sem disciplina.
Lutam contra si mesmos e contra um sistema corrupto, que muitas vezes forja concursos de mentirinha. Infelizmente, temos de admitir que a corrupção é uma das heranças de nossa cultura colonial e um concurso público é um prato cheio. Assim, a prova de admissão ao tão sonhado eldorado do funcionalismo público, se transforma em um grande massacre, para os despreparados e desapadrinhados. Aja aparelhamento para suportar a pressão.
Acredito que estamos evoluindo a passos lentos. Vemos cada vez mais a competência e o trabalho sendo valorizados. Na iniciativa privada, o mercado se mostra mais agressivo e a lei do mérito já impera. Os executivos em todas as áreas se mostram cada vez mais capacitados. No poder público, vemos muitos concursos sérios que realmente selecionam os melhores.
Creio que a tendência é realmente romper com esse ranço colonialista e valorizarmos cada vez mais quem sabe fazer bem feito. Para aqueles que se aventuram no mercado de trabalho digo apenas: _ Preparem-se e que vença o melhor!

Eliane Brito é advogada e escritora.

Artigo publicado no Diário da Manhã do dia 27 de novembro de 2008.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Sobre Ornitorrincos


Acordei em meio à noite assustada. Corri para o quarto de minha filha que gritava, tendo um pesadelo. Rapidamente falei: _ “Filhinha, acorde! Foi só um sonho!” Ela abriu os olhos assustada e exclamou: _ “Mãe, tive um pesadelo horrível...” Sentei-me na cama e falei: _ “Sonhou com o quê?” Ela respondeu então de forma surpreendente: _ “Nossa! Estava sonhando com um Ornitorrinco!” Não contive o riso e falei: _ “O Quê? Um ornitorrinco?” Ela respondeu pensativa: -“É...”. O riso me dominou, após alguns segundos, gargalhava com as lágrimas escorrendo pelo rosto... Ela também começou a rir sem-graça... então exclamei: _ “Parabéns, é o sonho mais estranho que já me relataram. Dez! Pelo quesito originalidade!” Ainda acrescentei: _” E olha, existem muitos ornitorrincos caminhando aí pelas ruas...”

Não me lembro bem das aulas de ciências, mas pelo que me recordo, ornitorrincos são seres híbridos, mistura de ave com mamífero. Possuem uma cabeça estranha, parecida com um castor e o corpo lembra o de um pato. Deitei-me novamente, pensando em quantas pessoas que conheço que são verdadeiros ornitorrincos espirituais. Pessoas que não conseguimos definir precisamente, que uma hora se encaixam em um padrão, ora em outro. Capazes de transitar entre o bem e o mal com desenvoltura. Como dizia o filósofo: “Entre o bem e o mal, existem apenas duas taças de vinho...”

Nos dias que correm, esses seres proliferam por toda a sociedade. São jovens que roubam e matam para sustentar o vício; Homens públicos que mentem e enganam para se perpetuar no poder; Nós cidadãos comuns, que no dia-a-dia, usamos a prática mais usual em solo brasileiro: “A lei de Gérson.” Onde o mais esperto sempre leva vantagem. Às vezes no trânsito; ás vezes no dia-a-dia. Definir o que é normal nesses dias velozes é cada vez mais difícil. Na grande roda do mundo, tudo toma um aspecto de naturalidade. Nada mais nos causa horror, nada mais nos constrange. Tudo é possível. Falar em princípios, frente à locomotiva do século XXI, parece algo obsoleto.

Talvez, o ornitorrinco seja ao contrário do que pensam alguns naturalistas, não uma aberração da natureza. E sim, como diria Darwin, o resultado de um amplo processo de adaptação e evolução das espécies. Talvez o ornitorrinco seja a cara do homem moderno. Que para sobreviver nessa sociedade fútil, precise se transformar em um mutante. Ostentando um rosto indefinido. Sem classe, nem espécie. Dividido, porém de alguma forma, completo em suas deficiências.

Eliane Brito é escritora e advogada.