quinta-feira, 27 de março de 2008

Mulher de verdade...


Esse mês comemorou-se, no dia 8 de março, o Dia Internacional da Mulher. Quedei-me pensando sobre a importância de ser mulher, de viver no mundo dentro dessa realidade. Será que eu seria totalmente diferente se fosse homem? Se tivesse dez vezes mais testosterona circulando no meu corpo, isso mudaria alguma coisa? Sentiria as coisas em outra dimensão e profundidade? Tantas perguntas e respostas incompletas. Entre corpos e vivências tão diferentes, homem x mulher, o que temos em comum? O elo a nos unir, seria o fato de pertencermos à mesma espécie? Capazes de chorar, lutar, sentir medo, sorrir, sofrer e ter compaixão. Creio que sim. Vivemos imersos no planeta terra, respirando o mesmo ar, sentindo a mudança das estações, a vida florescendo, somos diferentes e ao mesmo tempo tão parecidos.
A questão básica para mim é que, na verdade, enxergamos o mundo de formas diferentes, isso a ciência já comprovou. Perdoem-me as feministas. Não sou igual. Sou um mecanismo altamente complexo e diverso do masculino. Com apetrechos e acessórios únicos e capacidades totalmente diversas.
Quando nasci mulher, o recado de Deus para mim foi claro.
”Mesmo que você quiser ser dura, você será fraca. E quando você precisar ser frágil e chorar (por exemplo, olhando os olhinhos de um filho doente), você será forte. Com a força do seu caráter, mais uma vez será a portadora da vida! Você será sensível...mesmo que queira ser firme como uma rocha. Não adianta, você enxergará através das armaduras e poderá sentir onde sua presença e palavras são necessárias. Você amará. Mais vai amar tanto! Mais tanto! Que o peito as vezes parecerá que vai explodir. E não adianta tentar se vestir com o personagem da mulher forte e bem resolvida. Por dentro você vai sangrar. Como um instrumento altamente sensível, você sentirá cada golpe da amargura, do desespero e da dor do seu próximo!”
E sua vida será doação. Um pouquinho para todo mundo. O marido, os filhos, amigos, parentes... E quando você estiver exausta e exclamar: _Não tenho mais forças! Deus lá do alto dará uma risada e lhe dirá: “Minha querida, você tem muita força! Eu te fiz maleável como a água, forte como o ferro, ardente como o fogo e suave como o vento. Você pode penetrar por todos os caminhos e realizar tudo o que quiser. E no final da sua jornada, quando você pelo meu poder e força ultrapassar a barreira dos 80 anos e pensar que sua vida chegou ao fim! Eu te armarei com sua defesa mais poderosa. Um belo sorriso. E a gratidão de todos os seus, pois, você verdadeiramente foi sal do mundo! Trouxe sabor à vida.”
Enquanto escrevia, lembrei-me de minha avó. Mulher humilde, dona-de-casa. Vicentina Pinheiro de Brito. Oitenta e tantos anos. Criou nove filhos, ficou viúva jovem. Nunca mais se casou. Dedicando sua vida aos outros. Primeiro aos filhos, depois a um monte de netos e bisnetos. Porto seguro de todos, quanta fibra, quanta coragem pra encarar a vida! Rezadeira. É um neto adoecer, ou algo mais grave acontecer, lá está ela frente à fotografia de “Padre Eustáquio”, terço na mão. Às vezes chora, mas não se aquieta, enquanto trabalha , anda pela casa, pensar em descansar, jamais!
Enfrentou todos os problemas da vida de cabeça erguida, sem entregar a luta! Doenças, viuvez, pobreza. Quando visualizo a vida de minha avó, sua jornada penso em como foi dura e o quanto ela foi forte. Foi ela que me ensinou a levantar após cada queda e seguir em frente, com fé em Deus e coragem. Sempre me diz com sua voz levemente rouca. “Olhe só, nós somos uma família de pessoas boas... todos os filhos me deram alegrias, todos honestos, trabalhadores, saudáveis, nossa família venceu muitas dificuldades, mas, com dignidade.” Pra arrematar exclama com orgulho: “Todo mundo gosta de mim.” É verdade ... Gosta mesmo.
Quando era criança, sempre que a acompanhava ao mercado, mesmo com o dinheiro minguado, reservava umas moedinhas para minhas guloseimas, uma balinha ou uma maria-mole ,( daquelas cor-de-rosa, cheias de corante). Sempre limpando, cozinhando, uma formiguinha esperta, zanzando de um lado para o outro. O fogo aceso no fogão, nos lembrava que ali tinha um coração. Aberto para todos, pronto a servir. Era eu chegar e ela chamar alguém e mandar comprar couve. Dizia imperativa: “A Eliane adora couve refogada com feijão”! Falo no passado, pois hoje ela praticamente não cozinha mais. Lembra-se de cada desejo, de cada mimo. Gestos de amor.
Quando penso em uma mulher, penso em minha avó. Corpo pequeno, pra comportar tanta doçura. Hoje, após todas as tempestades, traz as faces vincadas, sulcos abertos pelas alegrias e dores, mas traz também a suavidade e a força inerente a todas nós. Ensinou-me dentre tantas, uma lição preciosa: Um lar não é feito de bens materiais. É feito de amor, feijão, couve, uma coberta quentinha e um abraço apertado.
A força de uma mulher se mede nessas pequenas coisas. Nos atos singelos da vida, que transcendem os sexos, as definições e nos catapultam para nosso estado de filhos de Deus e portadores do poder do bem e do mal.

Eliane Brito.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Paciência.


Ontem acordei com torcicolo, assim que abri os olhos já senti uma dor aguda no lado esquerdo do pescoço. Achei que iria passar com um pouco de paciência, mais, que nada. Após um banho quente, quando deixei a água cair abundantemente sobre o pescoço, piorou. Latejava e eu sentia como se uma agulha estivesse me penetrando. Do lado que doía, fiquei até surda. Não tinha saída, resolvi ir ao médico. Prescrição. Relaxante muscular, analgésicos, compressas... Voltei pra casa, tomei um coquetel de remédio, cancelei todos os compromissos e dormi por algumas horas.
Quando acordei estava realmente muito mal-humorada. O dia interminável se estendia pela frente e eu não podia e não queria fazer nada na rua naquele estado. Uma leve depressão desceu sobre minha cabeça como uma nuvem. Liguei o computador, abri o MSN e não tinha nenhuma amiga conectada, ou pelo menos, alguém com quem eu quisesse conversar. Meu mal-humor só aumentava. Naveguei por uns sites esotéricos, li meu horóscopo, que alertava, “marte estava em meu signo, causando transtornos e mudanças”. Ahã. Já havia percebido.
Atingindo o auge do desespero, resolvi jogar paciência no computador. Pedi que distribuísse as cartas e comecei. Modéstia a parte, eu sou boa nisso. Adoro quando “melhoro meu tempo” e no final do jogo, cai aquela cascata de cartas na tela. Mas, naquele dia, até o computador estava me sacaneando. Só saiam cartas ruins, não sei se eram os remédios, ou minha cabeça que latejava, mas, eu não conseguia ganhar!
Quando abria o jogo e via que as cartas não eram boas, já pedia para distribuir novamente. Naquele estado de espírito depressivo comecei a pensar que a vida também podia ser assim. Quando observássemos as cartas na mesa e o jogo não estivesse bom, como seria bom dar apenas um clique e pedir pra distribuírem novamente. Até que saíssem dois ases, ou quem sabe alguns reis, encabeçando as colunas. Aí sim valeria a pena.
Se a vida fosse um jogo de paciência, não valeria desistir. Tínhamos que pegar as cartas ruins e tentarmos trabalhar com elas. Alguns desistem, saem do jogo, como aquele ator, Hugh Hefner. No meu jogo de paciência, desenvolvi uma técnica, quando o jogo está ruim, começo a subir as cartas menores, subo o que eu posso, para ver se libero alguma carta melhor que está escondida ali embaixo daqueles montinhos.
Outro cuidado que eu tomo é na hora de comprar uma carta. Pra se colocar cartas novas no jogo é preciso analisar bem, se não estamos deixando de utilizar uma carta que já está ali, mas, que apenas não enxergamos, durante o desenrolar das jogadas. Se você compra errado... o computador é implacável! E a vida também...
Mas, como fazer isso na vida? Como subir as cartas? Comprar certo? Vencer o jogo! Simples. Precisamos reinventar. Pegar as nossas vidas, mudar as coisas de lugar, fazer diferente. Usar uma roupa colorida, fazer novos amigos, sair de peito aberto pro mundo, comer comidas diferentes, viajar. E assim, liberamos o que temos de melhor. Mas, desistir do jogo? Nunca. Sempre pode ter um ás escondido por ali e isso faz toda a diferença.

Eliane Brito é escritora e advogada.