quarta-feira, 11 de junho de 2008

VIDA DE CÃO


Enquanto olhava o anúncio feito por um “pet shop”, por uma fração de segundos tive vontade de ser uma cadela. Colorida e vistosa a propaganda trazia uma cachorra peluda e eu diria que, sorridente, com um lacinho na cabeça, recostada em macias almofadas. Anunciava: venha conhecer o nosso maravilhoso Spa ! Temos massagens capilares, relaxantes, hidratação, e luxo dos luxos: Ofurô. Acrescentava ainda, que tinham serviços de hotel, com alimentação especial e tratadores treinados. Fiquei estupefata e um pensamento me ocorreu de assalto. Muitas pessoas provavelmente nunca receberam esses mimos na vida e nunca receberão. Quantos humanos nunca usufruíram de uma boa massagem, tratamentos de pele e banhos de ofurô.
Rapidamente fiz um cálculo simples, pois, já tive cachorros e concluí que, numa perspectiva otimista, incluindo vacinas, remédios e rações, para se manter um cachorro com todos esses luxos seriam necessários, algo em torno de um salário mínimo. Isso excluindo o primeiro mês, quando se compra o animal, que se for de raça, com pedigree, custa em torno de um mil e duzentos reais. Acrescente-se toda a tralha necessária, casinha, vasilhames para ração, vacinas e roupinhas. Sim senhores! Cães hoje em dia usam roupas e até escovam os dentes. É a humanização canina. Existem até psicólogos para cães, especializados em tratar os distúrbios mais comuns, como crise do pânico...
Recordei-me de minha infância e de minha cachorrinha Laica. Nos dias de hoje ela seria uma excluída. Uma pária na sociedade canina. Coitada! Sem o menor estilo ou classe. Ficava tão feliz, quando eu, munida de uma mangueira, lhe dava um gostoso banho, aproveitando para me refrescar junto com ela, rolando pelo chão. Rações eram raras. Mamãe preparava uma papa de fubá e carne moída, que ela adorava e tenho de admitir, tão cheirosa e apetitosa que certo dia não resisti e escondido, comi um pouquinho da panela. Veterinário ela só conheceu quando precisou se submeter a uma cesariana de urgência. Lembro-me de contar tal fato na escola e de todos os colegas ficarem deslumbrados... Organizaram até uma comissão para visitar a cachorrinha que havia feito cirurgia. Pensando bem, acho que eu a “tratava como um animal”! Hoje isso soaria como uma idiossincrasia, um absurdo inimaginável e para arrematar ainda tenho de confessar... Ela era uma cachorra feliz! Nunca precisou de psicólogo.
Adoro cachorros. São inteligentes, amorosos e trazem carinho e afeto para nossas vidas! Porém, tenho de admitir, não compactuo com o requinte e o glamour com que tratam os mesmos hoje em dia ,beira a insanidade. Percebo que as pessoas estão cada vez mais sozinhas, sem afeto, sem alguém para dividir as alegrias do dia-a-dia. Os cães estão compensando todas as carências e frustrações do homem moderno. A justiça está cheia de casos de divórcios, onde o grande ponto de conflito é quem vai ficar com o cachorro. Parece piada, mas, os envolvidos protagonizam cenas de choro e desespero pelos corredores do fórum. Fica bem claro, que o casal, gostava mais do animal do que um do outro. Se olharmos a jurisprudência, que são as decisões dos tribunais, inúmeros casos envolvem cães. Processos contra condomínios, hotéis, pedido de indenizações. Analisando a história da humanidade os cães atingiram hoje sua idade de ouro. Se o céu dos cachorros existe ele está aqui na terra. Nesse momento da história humana.
Na minha vida procuro estabelecer prioridades. Dentre elas, incluo contribuir para uma boa e séria instituição de caridade. Se puder dispor de algum dinheiro, privilegio o meu semelhante. Se você aí do outro lado é dono de um cachorro, já sei o que está pensando: Como ela é ultrapassada! As vezes sou um pouco antiquada mesmo. Tenho de admitir, possuo o terrível hábito de tratar os cachorros como animais! Deus tenha piedade da minha alma...
Eliane Brito é escritora e advogada.

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