quinta-feira, 10 de julho de 2008

Impotência e Coragem



Lendo os jornais do dia, a sensação que nos domina é a impotência. Um pai estava estampado na primeira página, chorando a morte do filho de três anos, baleado por policiais. Assassinatos, bombas, dá até para sentir o cheiro de sangue. O sentimento é de inutilidade e frustração. O que cada pessoa comum, em sua individualidade, pode fazer para mudar o mundo? Será que existe realmente uma chance de transformação?! Será que podemos fazer algo para conter esse trem desgovernado chamado ser humano? A vontade é ficar inerte. Desistir da luta. Simplesmente assistir a evolução dos fatos, o desenrolar dos acontecimentos, sem tomar nenhuma resolução.
Meditando sobre esse assunto, abri o livro indiano Mahabarata, no seu poema clássico, chamado em português de “canção celestial” e em indi de Bhagavad-gita. Consultei aleatoriamente e li a seguinte frase “Se não lutares a batalha da vida porque teu egoísmo te faz temê-la tua resolução é vã: a natureza se te imporá”. Fechei imediatamente o livro um pouco envergonhada. A resposta havia sido rápida e certeira. Decifrara o meu sentimento perante as manchetes. Egoísmo. Vontade de ficar aparte. Transformar o coração em um bloco de pedra e fazer de conta que nada está acontecendo. Seria essa a saída? Não. É preciso fazer algo! Nem que seja protestar... Quando o livro sagrado hindu nos diz que a natureza nos imporá, faz uma verdadeira profecia. Se não nos posicionarmos e lutarmos para de alguma forma mudar o mundo, os atos de violência, mais cedo ou mais tarde vão nos alcançar. Essas atrocidades podem acontecer dentro de nossas casas, com pessoas da nossa família e aí será muito tarde...
Outra violência exaustivamente explorada pelos jornais é o despreparo e a falta de comprometimento dos políticos com os ideais do povo. A imprensa tem feito sua parte, divulgando, escândalos, processos, etc. Mas, nós temos nos omitido. Temos ficado surdos perante os avisos recebidos. E, quando não recebemos os serviços públicos que merecemos, inclusive segurança pública, nos quedamos impotentes. Como se nada pudesse ser feito. Quanto as minhas escolhas políticas e pelo menos quanto a essas eu posso fazer alguma coisa. Munida do meu pequenino título eleitoral, posso fazer uma escolha. Gritar em alto e bom som: _ Eu sou uma cidadã, sou brasileira e mereço respeito! “Uma andorinha só não faz verão”, mas milhares... Podem fazer uma grande diferença. Milhares de andorinhas podem mudar o mundo. Esse discurso é antigo e eficiente! Foi ele que patrocinou a revolução francesa, foi ele que garantiu que tivéssemos eleições democráticas, acabando com a ditadura. Foi ele que fez todas as grandes mudanças populares no mundo e é ele que eu quero ressuscitar.
As eleições municipais estão se aproximando. Estamos tendo mais uma oportunidade de elegermos pessoas sérias, comprometidas com os valores nobres da humanidade. Não sei quanto a você... Eu não vou me omitir. Vou votar! E vou tentar votar direito. Quero saber quem são os candidatos, o que eles fazem o que eles acreditam. E principalmente, quero em silêncio, olhar dentro dos olhos desses cidadãos e perguntar... Quais são os seus propósitos? O bem comum ou seu próprio interesse? O meu coração vai me dar à resposta. E dessa vez eu vou acreditar nela.
Essa saída pode parecer simplista, infantil, ridícula. Mas é com um simples ato como esse, de escolher e votar, que outorgamos mandatos a pessoas, mudados suas vidas, lhes damos a chance de fazerem algo pelo seu semelhante e pelo seu país. Eu valorizo cada ato que pratico. E esse para mim tem muito valor. Pois, como uma pequena engrenagem em uma grande máquina, o voto dispara o gatilho que leva a eleição de alguém lá do outro lado. É pouco. É. Mas, ficar impotente é uma saída covarde. Eu escolho a coragem.
Eliane Brito é escritora, advogada e está tirando a poeira do título de eleitor.( Crônica publicada com cortes, no jornal "O Popular" do dia 23-07-08).

quinta-feira, 3 de julho de 2008

DEUS É DEZ!



Na última terça-feira, tive uma noite bastante agitada. Não... não foi balada não... Tudo começou assim. Minha mãe pediu-me para levá-la à Missa-show do padre Marcelo Rossi no santuário do divino pai eterno na cidade de Trindade. Papai se recusou terminantemente a enfrentar a aventura, então, um pouco a contragosto, concordei. Perguntei que horas sairíamos e ela me disse que a missa estava marcada para as sete e meia da noite, mas, devíamos sair em torno de cinco horas da tarde. Medida de precaução, pois, eram esperadas em torno de um milhão de pessoas na “balada”. Dito e feito. Após duas horas apertando e soltando a embreagem para andar dezessete quilômetros, chegamos a Trindade. No caminho, para me distrair, fui observando as centenas de romeiros que faziam o percurso a pé. E alguns realmente me comoveram. Havia pessoas bem idosas, mulheres carregando crianças (o que sem dúvidas, fazia com que o sacrifício ficasse mais árduo) pessoas andando com dificuldades, devido a problemas nas pernas, etc... A cada quilômetro fica uma estação, lembrando a via crúcis de Jesus, com pinturas feitas por Siron Franco. Confesso que não estava preparada para o que encontrei ao chegar ao Santuário. Na parte dos fundos, foi armado um grande palco, que não ficava nada a dever aos palcos de grandes cantores brasileiros. Enorme, com toda uma parafernália eletrônica, dois telões se abrindo para uma praça que estava tomada de fãs. Eu como sou bastante adaptável, já comecei a me animar. Dei uma volta, observando as rodinhas animadas, observei os barzinhos que circundavam a praça e pensei: _Bom, já que estou aqui, vou tomar uma cervejinha. Que nada! Nenhum barzinho vendia cerveja. O evento era gospel. A Alegria vai fluir toda de Jesus! Conjeturei. É isso aí. Descobri que as pessoas que estavam próximas ao palco, chegaram no dia anterior para garantirem seus lugares... que loucura! Padre Marcelo era um verdadeiro pop star.
Começou uma oração comandada por um padre que, mamãe falou que era o pároco lá de Trindade. A galera foi se animando. Algumas carolas apertavam o terço contra o peito e choravam. Orando com fé e desespero tremendos. Era uma cena bem interessante para mim, que sou um pouco cética. Um helicóptero então começou a sobrevoar a multidão. E comecei a ouvir um urro surdo que foi subindo, subindo e dominando tudo. Tinham homens por ali, mas, as vozes das mulheres sobrepujavam. Uma senhora que estava ao meu lado, segurou minha mão com força, como se fossemos unidas em alguma irmandade e falou entre histérica e sussurrante, com os olhos bem arregalados: Ele chegou! Eu imbecilmente perguntei? _Quem? (na hora achei que era o próprio Jesus). Ela respondeu:
_Padre Marcelo, uai!
Ah! Pelo telão, via a cara ensaiada que os outros padres postados no palco faziam... Sabe aquela cara de perdedor do Oscar? Que o cara ensaia a semana inteira na frente do espelho... Cara de paisagem. Um sorriso forçado, com ares de natural na boca. Um balançar displicente de cabeça para a multidão, um ar de condescendência. Dizendo assim: Está tudo bem! Eu estou totalmente controlado. Não ligo que vocês gostem mais desse padre... tal. Tudo mentira! Percebi claramente que eles ficavam incomodados... Que humildade que nada! Eles queriam ser adorados daquela forma. Os gritos foram aumentando num crescente. O Padre que comandava a reza parou tudo e falou: _Meus irmãos. Está parecendo até que vocês não vieram à missa. Está parecendo que vocês estão aqui só pra ver uma pessoa... Foi ele falar isso e a multidão começou a gritar o nome do ídolo...Gritou, gritou, até que o próprio entrou no palco. Muito simpático e sorridente, já entrou cantando, foi uma loucura! A histeria coletiva me contagiou... Comecei a cantar e a dançar também...”Erguei as mãos e daí glória a Deus”... “ Tem anjos voando nesse lugar, no meio do povo em cima do altar, subindo e descendo em todas as direções...” Eu que achava que não sabia música nenhuma, sabia várias...
Padre Marcelo cumpriu direitinho seu papel. Cantou e dançou muito. Era alto e carismático dominando totalmente a multidão. Fez a galera se divertir e rezar. E não tinha só velhos não... Observei muita gente jovem, participando ativamente. No final, tinha até me esquecido que era um evento religioso. Ficou só um saldo de alegria. Não é que a vida é cheia de surpresas? Encerrou o show com uma música que eu não conhecia. “Deus é dez”! Aprendi rapidinho e tenho que concordar, nos dias de hoje Deus é nota dez, em todos os sentidos.

Eliane Brito é escritora, advogada e pronta pra se divertir em qualquer situação.