segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Sete vidas



Dias atrás, em um agradável almoço com minhas filhas, a conversa encaminhou-se para todas as vezes que já havíamos visto a morte de frente. Brincaram que eu tinha sete vidas e eu concordei que já havia gasto uma. Uma delas rememorou seu nascimento prematuro e o fato de que poderia não estar ali. Outra se lembrou de um choque elétrico, tomado aos cinco anos de idade. A terceira de uma cirurgia mal-sucedida...
Quanto a mim, falávamos de um grave acidente de carro que sofri, anos atrás. Contudo uma lembrança se insinuou e voltou nítida a minha memória. Já havia me esquecido totalmente desse fato, mas, naquele momento, tive a certeza de que aquela foi a vez, em que eu vi a morte de frente. Exclamei:
_Não, só tenho cinco vidas, já gastei mais uma!
Tive um breve namoro com um rapaz, duas semanas de duração, que residia no mesmo edifício que eu. Quando terminei o relacionamento, X (vamos chamá-lo assim...) começou uma verdadeira caçada à minha pessoa.
Seguia-me pelas ruas, aparecia em todos os lugares onde eu estava, mandava recados, flores, etc. Quando percebeu que eu estava firme em meu propósito, começou a fazer ameaças de todos os tipos, que eu inconseqüentemente ignorava.
Certo dia, porém, estava sozinha em casa, quando toca a campainha. Abri despreocupadamente a porta e X invadiu o apartamento. Tentei argumentar, explicar minhas razões, mas, ele estava transtornado. De repente, sacou de uma arma e começou a andar de um lado para o outro, brandindo-a em todas as direções. Falou que poderia me matar ali, naquela hora e que tudo estaria resolvido.
Não sei por que, mas, senti uma indignação tremenda com aquela situação. Uma raiva imensa me dominou. Comecei a desafiá-lo: “ _Então mata agora! Exclamava batendo no peito._aproveita e mete uma bala na sua cabeça também!” Naquela hora, eu não tinha medo de nada. Como todo adolescente, me julgava imortal.
Essa cena dantesca continuou por alguns minutos, quando ele se aproximou e encostou a arma na minha cabeça. Se eu tivesse morrido ali, posso assegurar, não teria sido com medo. Em situações de tensão, todas elas, eu fico estranhamente calma.
Fui salva pelo meu irmão (que morava comigo) retornando de uma missa. Ele agiu com firmeza e decisão. Falou a X com autoridade, conseguindo colocá-lo para fora. Ligou então, imediatamente para um tio meu, que era da polícia, relatando o ocorrido. Esse tio procurou X e lhe deu provavelmente um bom “aviso”, desses que só policiais podem dar. O que fez com que X me deixasse em paz.
Relatei tudo isso a minhas filhas, que a essa altura já estavam boquiabertas. As três então se levantaram e me abraçaram. A caçula exclamou, com voz chorosa:_ “ Mãe, você poderia estar morta!”
Hoje, do alto da minha maturidade, percebo o quanto fui inconseqüente, desafiando-o naquele momento de tensão. O quanto às emoções são delicadas, especialmente o amor, ou, nesse caso, as paixões e como merecem um cuidado de nossa parte. Amor não se impõe. Absolutamente. Simplesmente acontece. Percebo também que Deus, com toda certeza me protegeu naquela hora. Tenho que concluir que ele tem algum propósito para mim. Uma missão que só eu posso desempenhar. E é por isso que estou aqui.

Eliane Brito é escritora, advogada e uma sobrevivente.

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