terça-feira, 4 de novembro de 2008

Sobre Ornitorrincos


Acordei em meio à noite assustada. Corri para o quarto de minha filha que gritava, tendo um pesadelo. Rapidamente falei: _ “Filhinha, acorde! Foi só um sonho!” Ela abriu os olhos assustada e exclamou: _ “Mãe, tive um pesadelo horrível...” Sentei-me na cama e falei: _ “Sonhou com o quê?” Ela respondeu então de forma surpreendente: _ “Nossa! Estava sonhando com um Ornitorrinco!” Não contive o riso e falei: _ “O Quê? Um ornitorrinco?” Ela respondeu pensativa: -“É...”. O riso me dominou, após alguns segundos, gargalhava com as lágrimas escorrendo pelo rosto... Ela também começou a rir sem-graça... então exclamei: _ “Parabéns, é o sonho mais estranho que já me relataram. Dez! Pelo quesito originalidade!” Ainda acrescentei: _” E olha, existem muitos ornitorrincos caminhando aí pelas ruas...”

Não me lembro bem das aulas de ciências, mas pelo que me recordo, ornitorrincos são seres híbridos, mistura de ave com mamífero. Possuem uma cabeça estranha, parecida com um castor e o corpo lembra o de um pato. Deitei-me novamente, pensando em quantas pessoas que conheço que são verdadeiros ornitorrincos espirituais. Pessoas que não conseguimos definir precisamente, que uma hora se encaixam em um padrão, ora em outro. Capazes de transitar entre o bem e o mal com desenvoltura. Como dizia o filósofo: “Entre o bem e o mal, existem apenas duas taças de vinho...”

Nos dias que correm, esses seres proliferam por toda a sociedade. São jovens que roubam e matam para sustentar o vício; Homens públicos que mentem e enganam para se perpetuar no poder; Nós cidadãos comuns, que no dia-a-dia, usamos a prática mais usual em solo brasileiro: “A lei de Gérson.” Onde o mais esperto sempre leva vantagem. Às vezes no trânsito; ás vezes no dia-a-dia. Definir o que é normal nesses dias velozes é cada vez mais difícil. Na grande roda do mundo, tudo toma um aspecto de naturalidade. Nada mais nos causa horror, nada mais nos constrange. Tudo é possível. Falar em princípios, frente à locomotiva do século XXI, parece algo obsoleto.

Talvez, o ornitorrinco seja ao contrário do que pensam alguns naturalistas, não uma aberração da natureza. E sim, como diria Darwin, o resultado de um amplo processo de adaptação e evolução das espécies. Talvez o ornitorrinco seja a cara do homem moderno. Que para sobreviver nessa sociedade fútil, precise se transformar em um mutante. Ostentando um rosto indefinido. Sem classe, nem espécie. Dividido, porém de alguma forma, completo em suas deficiências.

Eliane Brito é escritora e advogada.

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