quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Sexo tântrico e outras coisitas más...


Sábado passado fui a um charmoso barzinho em Goiânia. Grupo grande, todos alegres, cerveja geladíssima, papo animado. Teria sido uma noitada típica, não fosse um incidente, que fez com que a conversa girasse a noite inteira sobre sexo. Eu como sempre, gastei horas debatendo com meus amigos, sobre os enfoques que o ato sexual tem através do mundo. A forma como a humanidade vê o ato sexual e a falta de maturidade com que alguns jovens iniciam a vida sexual hoje em dia.
Bom, vou saciar a curiosidade de vocês. Já posso até ver a cena! Você aí do outro lado, grudadinho na cadeira, olhos arregalados, querendo saber que papo de sexo é esse. É meus amigos; o assunto é instigante e prende nossa atenção.

Tudo aconteceu assim: Sentada em uma mesa um pouco a frente da nossa, estava também um grupinho de vários casais batendo papo e não pude deixar de reparar, bebendo vodca, com uma garrafa já pela metade. Eu realmente não fui a primeira a ver a cena. Quem deu o alarme foi um amigo, que se sentava de forma privilegiada, defronte ao espetáculo. Certa senhorita, com cara, tenho de admitir, de “moça de família” (dessas que se você vê na rua, pensa logo que foi muito bem criada), começou a bolinar o namorado, esfregando a mão por cima da calça jeans, pegando o “órgão sexual “ com a maior cara de pau (literalmente). Os dois se sentavam bem próximos, de forma que os amigos achavam que ela estava apenas com a mão nas pernas dele, aconchegados. Mas nós, que estávamos um pouco mais recuados, podíamos ver com clareza a cena. A mãozinha dela trabalhando, sem parar e o rapaz, com cara lerda, safada, recostado tranqüilo acompanhando a conversa do restante do grupo, como se nada estivesse acontecendo.
Minha mesa entrou em polvorosa. Passamos a acompanhar a cena com atenção, esperando um desenlace, ou quem sabe, um orgasmo mesmo! Mais nada. Todos os tipos de brincadeira surgiram, criamos até uma banca de aposta, para ver em quantos minutos o cara ia gozar. Uma amiga mais moralista começou a ficar indignada, exclamava com raiva contida: - Por que esses dois não procuram um motel? Que absurdo! Outra amiga mais liberal argumentava: _ Nossa, isso é super comum, essa galera anda doida, transa em qualquer lugar.
Os homens acompanhavam a cena compenetrados, com aquela cara que homem faz quando vê um colega se dando bem, de paisagem... Mas, um não conteve um comentário indignado, quando a protagonista do evento, notando o alvoroço em nossa mesa, virou-se, encarou a todos nós desaforadamente e continuou o serviço, com a maior tranqüilidade. O mundo caiu! Os homens exclamavam! “É. Não dá mais pra saber quem é quem... a mulherada está com um fogo!” E por aí foi...
Eu como sempre comecei a filosofar. “Expliquei para eles como o Yôga via o sexo entre duas pessoas.” Era um ato sagrado, que recriava o ato primordial de Deus. E nós, como seus semelhantes, também tínhamos esse poder. Essa atitude íntima entre um homem e uma mulher, liberava uma energia tão grande, que poderia gerar um outro ser humano e até mesmo modificar a vida de uma pessoa, realizando uma grande transformação pessoal. Tanto isso é verdade, que no Yôga, no budismo (em algumas correntes) e outras religiões, um dos caminhos para se alcançar a iluminação ou o nirvana, é o sexo ritual.” Existe uma cerimônia no Yôga, denominada Maithuna, que é de um simbolismo e de uma profundidade tremenda. Exclamei, e fui, relatando essas práticas orientais...
Uma amiga perguntou: _conta mais, como é essa cerimônia? Então continuei. O casal, de banho tomado, chakras massageados e perfumados, pêlos depilados ou pelo menos aparados, acende uma vareta de incenso, sentando-se de frente um para o outro, completamente nus e meditam por alguns minutos. Depois, olhos nos olhos, ficam durante alguns minutos fazendo a respiração que consiste de, bem próximos, tentarem respirar em harmonia, um sorvendo o alento do outro. Muitos carinhos, abraços apertados para estimularem os chakras, principalmente o cardíaco,começam o intercurso sexual, que pode durar horas, pois, no sexo tântrico, recomenda-se retardar o máximo possível o orgasmo. Existem técnicas que auxiliam nisso.
Os amigos empolgados falaram: " Gostei! esse negócio é bom!” Enquanto isso a moça e o rapaz, que deram início a essa conversa, Se levantaram despediram de todos e foram embora. Só Deus sabe pra onde. Nós ali, não tínhamos dificuldades para imaginar aonde aquela noite ia acabar... E a conversa continuou solta. Pois, quando a moça se levantara, vimos que ela não poderia ter mais do que dezesseis ou dezessete anos. Ficamos chocados! Eu como adoro formular uma teoria sobre tudo. Argumentei que o sexo hoje era algo totalmente descartável. Nessa cultura consumista em que vivemos, as pessoas não valorizavam mais esse ato tão lindo e poderoso. Tenho de concordar que no passado se supervalorizava. Criando conotações e conseqüências dramáticas para uma necessidade do ser humano. Quantos não morreram na fogueira por suas práticas sexuais? Mas, banalizar? Aí também eu não concordava...
E o debate continuou, noite à dentro, cada hora surgia uma teoria mais estapafúrdia que a outra. E o chopinho chegando “mofado”, picanha na chapa, fumegando... as horas correram rápidas, como só acontece por aqui. No final da noite, um amigo chegou à seguinte conclusão... Quer saber a verdade? Exclamou, levantado o copo de chope: -Sexo é bom de todo jeito...tântrico, sagrado, o diabo a quatro e até “goiano” que é o melhor jeito!
O riso foi geral! Era isso mesmo, argumentou outro: _ Até quando é ruim é bom!
E tenho dito!

Eliane Brito é escritora e Advogada.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Retratos de Goiânia.

Segunda feira levantei cedo, decidida há ter uma semana produtiva. Para começar o dia resolvi caminhar... Essa atividade, pelo menos para mim, sempre foi uma forma de organizar as idéias, planejar a semana e praticar um pouco de meditação ativa. Técnica que muitos esotéricos recriminam, mas, que para mim funciona. Pelo menos por alguns minutos. Sempre caminho na Alameda das Rosas, parque encravado no coração de Goiânia, onde fica também o zoológico municipal e um lago de mesmo nome da alameda. Fiz alguns exercícios de alongamento e Yôga e só então, dei os primeiros passos. Respirando profundamente e agradecendo a Deus por um novo dia.
Comecei a primeira volta em sentido horário e naquele amanhecer, as calçadas estavam tomadas pelos atletas matinais, idosos, donas de casa, atletas, obesos e toda a fauna que compõe os caminhantes de Goiânia. Rapidamente percebi que não conseguiria meditar, pois, minha atenção se desviava para os personagens que cruzavam meu caminho. Não pude me furtar ao meu esporte predileto: Observar pessoas. Tipos variados cruzavam por mim, alguns mais peculiares, deixando seus retratos gravados na minha retina.
Observei uma senhora que subia um trecho mais íngreme, amparando,o que eu deduzi, fosse a filha deficiente, que caminhava com dificuldade. A cabeça da menina, muito grande, em relação ao resto do corpo, pendia de forma descoordenada. Carinhosamente, de tempos em tempos, parava, enxugava o suor da mocinha e retomavam o exercício. Admirei-me com o carinho e atenção que eu percebia nos gestos daquela senhora. Muitas vezes já observara esse cuidado em outras mães de deficientes. Alguns seres humanos, quando aparecem as dificuldades, conseguem transcender e deixar seu lado meigo e delicado aflorar. Aquela mãe havia cruzado essa ponte e na verdade, quem se superava na caminhada era ela, que transbordava puro amor e cuidado. Lembrei-me de minhas filhas e pela segunda vez naquele dia agradeci a Deus, a dádiva de ter filhas perfeitas.
Continuei meu caminho e avistei uma moça muito bonita caminhando em sentido oposto. Passou por mim, falando sozinha, com semblante carregado. Sua expressão denotava raiva, revolta, a boca se retorcia levemente para baixo. Com certeza, se alguém lhe contasse que ela falava sozinha enquanto caminhava , gesticulando levemente, provavelmente ela não acreditaria. Assim como eu, ela planejava seu dia e as ações que deveria executar. Porém, não tinha o autocontrole para dominar seu corpo e viver em plenitude o dia que despontava. A festa que os passarinhos faziam nas copas, o verde intenso das árvores nessa época chuvosa. O delicioso cheirinho de terra que nos acolhia. Pensei comigo mesmo. Se ela relaxasse um pouco, descontraísse a expressão, poderia até vir a ser uma pessoa mais bela.
Observei que ali, naquele parque, desfilava pela minha frente toda a humanidade. Com sua carga de dor, de beleza e de desespero. Lembrei-me de um livro que havia lido tempos atrás, que se intitulava “o corpo fala”. Decidi observar a postura e a expressão dos transeuntes para ver o que me diziam. E assim, nesse jogo, descontraidamente, segui adiante.Cruzei com um senhor gordinho, com uma barriga enorme. Dizem que do tipo mais propício para ataques cardíacos. Dura e redonda como uma melancia. Caminhava com certa dificuldade e arfava um pouco. Sua testa coberta de suor e a camiseta encharcada denotavam que ele fazia um grande esforço. Aquela barriguinha ali (não é por nada não...), é típica de alguns goianos quarentões. A grande produção de carnes do nosso estado é propícia para fomentar o hábito do churrasco. Regado a muita cerveja, é claro. Com o desenrolar dos anos o resultado era a chamada barriguinha de chope. Que para perder, realmente era difícil...
Parei em um quiosque próximo a entrada do zôo, pedi um coco geladinho e tirei alguns minutos para relaxar. Minha atenção foi desviada para um casal de idosos sentados a mesa ao lado. Evidentemente estavam iniciando um namoro, olhos nos olhos, todo o gestual dos apaixonados. De aparência simples, roupas modestas, gente do povo... Estavam se conhecendo. O velhinho contava sua vida, que tinha aposentado no ano anterior e que ficara muito satisfeito por receber a ligação da velhinha. Ela sorria satisfeita e dizia que havia pensado muito e resolvido ligar. Tinham com certeza quase setenta anos. Pensei comigo: “é. O amor não tem idade”. Intrigada, meditei que esse impulso para o amor provavelmente não acabava nunca. Eles se levantaram e foram andando, alegres e lépidos em direção ás bilheterias do zoológico e eu resolvi retomar minha caminhada.
Correndo em minha direção, vinha uma moça, que parecia saída de um comercial de produtos esportivos. Roupas de ginásticas caríssimas, ipod conectado, corpo esculpido com muita ginástica, vitaminas e nos dias de hoje até podia arriscar... algumas lipos, quem sabe? O lado bom disso tudo é que realmente ela transpirava saúde. Seu semblante era sereno e agradável e parecia que realmente ela estava desfrutando a jornada. Dizem que o exercício físico libera endorfinas e olhando para seu rosto, não ficava nenhuma dúvida, era o próprio retrato da mulher bem resolvida.
Quando já estava quase finalizando minha caminhada, diminui o passo, observando um pequeno grupinho que caminhava à minha frente, eram três mulheres, com grandes camisetas e moletons antigos, levemente gordinhas, evidentemente todas estavam fora de forma. Uma delas contava para as outras sobre uma festa que havia comparecido no final de semana. Uma briga que houvera e alguns desaforos que escutara (Não é que eu goste de escutar as conversas alheias, mas, caminhávamos no mesmo ritmo e era realmente inevitável que eu ouvisse pelo menos alguns trechos)... Todas davam seus palpites e eu quase dei o meu...Enquanto ultrapassava o grupinho, uma delas aconselhou indignada: _Porquê você não chamou a polícia? “Você é boa demais Maria...” Olhei para trás e li os dizeres na camiseta da Maria. “100% mãe.” Notei que ali acontecia uma espécie de terapia coletiva, iam desfiando seus problemas, se aconselhando mutuamente. Evidentemente eram donas de casa, com suas mazelas comuns a grande parte das mulheres. Família, filhos, maridos, etc..
Segui para casa estranhamente revigorada após essas andanças. De alguma forma, me senti reconfortada por esses personagens urbanos... Era a vida em sua plenitude pulsando pela cidade. A cidade como um organismo, despertava, expondo todos os seus atores, nesse grande palco da vida. E eu estava lá. Compondo também esse cenário. Então, pela terceira vez naquele dia agradeci a Deus. Agora pela minha vida.

Eliane Brito
É advogada e escritora.


terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

“Eu acredito em Al Gore”. 12/07



Goiânia, calor, calor Goiânia... Hoje fui dominada por uma terrível compulsão... Escrever sobre o calor que está assolando nosso estado e nossa capital. Não posso me calar! Feriado de dia das crianças, pensei em várias opções de viagem e rechacei todas sistematicamente, resolvendo não viajar. Em um primeiro momento cogitei em Pirenópolis, mas, segundo informações de amigos, devido à seca, as cachoeiras e rios estão com pouquíssimo volume de água. Depois pensei Caldas Novas. Nossa! Só de pensar fiquei agoniada... Tudo que eu consigo imaginar é uma piscina com água bem geladinha... Convidaram-me para ir ao Mato Grosso, descobri que lá é que estava quente mesmo, desisti! Bom, no final fiquei por aqui mesmo, organizando um fim semana light... Mas, nesse dia das crianças, coitada delas, a temperatura estava opressiva.
No início do dia, chamei todos os sobrinhos e fui para a piscina... Entre o esforço de espalhar sistematicamente toneladas de filtro solar nas costinhas infantis, garantir o suprimento de água e refrigerante, retirá-los do sol escaldante do meio-dia e de dentro da água, à custa de muita birra, até que foi divertido... O dia foi passando, fervente, molenga, como que cozinhando em fogo brando... Depois do almoço, crianças chorosas, mães extenuadas, “tias” estressadas, na batalha de lutar contra o cansaço e a temperatura...
No final da tarde, o céu se tornou embaçado, com leves tons de violeta, mesclado de alaranjado... Parecia que uma nuvem pairava sobre a cidade, que esfalfava de calor e poeira suspensa...Sentada em um barzinho, tomando uma refrescante tigela de açaí, comecei a meditar sobre o aquecimento global. Pela primeira vez, confesso, acreditei em todas as previsões de “Al Gore”, o Vice- presidente de Clinton. Aquele, do documentário, “Uma verdade inconveniente”. Um dos ganhadores esse ano do Prêmio Nobel da Paz. Noticiado agora enquanto escrevo.
No início, quando se falava nesse assunto, camada de ozônio, meio-ambiente, eu não dava importância nenhuma, até desconversava... Confesso que achava que era mais uma bandeira que os políticos levantavam, procurando atenção. Mas, hoje, tive um insight, olhando o céu, observando a natureza ressequida, as pessoas extenuadas, percebi claramente que existe algo errado. De alguma maneira a terra não está reagindo da forma habitual. As últimas primaveras, decididamente não são como as de minha infância. Coloridas, floridas e com chuvas esporádicas e agradáveis...
No meu delírio imaginativo, fiquei me lembrando de quando eu era criança. Os banhos de chuva que já tomei, sob os protestos enérgicos de minha mãe. Só me arrependo de ter tomado poucos... Hoje daria tudo pra sentir o cheiro da chuva castigando a terra, pisar o barro, olhar para o céu e ver nuvens escuras pesadas, despejando água sem dó, fertilizando os campos e preparando o cenário para mais uma farta colheita... Milho para pamonha, pequi, jabuticaba, ingá, tudo de maravilhoso que o cerrado nos proporciona...
Termino esse artigo com um suspiro sentido e uma certeza. Vou começar a fazer a minha parte, se depender de mim vou contribuir para diminuir esse cenário horrível que se descortina. Vou reciclar lixo, papel, tudo. Economizar água. Andar mais a pé. Etc...Sim, Al Gore, quero garantir para os meus netos a possibilidade de tomarem esse banho de chuva, de correrem pelos pelas ruas com a água batendo no rosto e um sorriso estampado na cara; e o principal, vou pegar o meu terço e fazer uma novena pra Nossa Senhora Aparecida, afinal, na verdade o dia hoje é dela. Adivinhem o que eu vou pedir? A melhor coisa do mundo: Água. Simples assim.
Eliane Brito é escritora e advogada.

Sorria, você está na Bahia!




Férias! Só de dizer essa palavra... Todos, desde crianças a adultos não reprimem um sorriso. Na Bahia então... Maravilha! Todas aquelas imagens emblemáticas passaram por minha mente como um flash. Zás! Sol, corpos negros estirados nas areias brancas, o batuque do Olodum, baianas trajadas de branco, vendendo acarajés... Mar verde profundo, intenso, como aquelas terras, comecei até a ouvir uma musiquinha repicando na cabeça... “o que é que a baiana têm? “o que é que a baiana tem...
Decidimos viajar de carro toda a família... Destino: Salvador. Partimos, seguindo o trajeto, Brasília, Barreiras, terras soteropolitanas. A estrada surpreendentemente para os padrões brasileiros estava excelente. Sem buracos, muitas vezes sem acostamento, mas, no geral, boa. Quando ingressamos em solo baiano, a primeira placa alertava: “Sorria, você está na Bahia!” Depois pude compreender toda a complexidade e extensão desse mandamento baiano. Dois dias de viagem, 1707 quilômetros, bumbuns doloridos, corpos exaustos, mas, avistamos no final do segundo dia Salvador. Na entrada da cidade, o cartão postal brasileiro: favelas intermináveis, que se tornaram até poéticas ao entardecer, com suas luzinhas piscando na escuridão. Morros e mais morros, apinhados de casinha diminutas, com suas antenas parabólicas apontadas para o céu. Pensei ironicamente, com certeza a televisão unificava esse país, pela mesma emissora. Circulamos pela cidade e minhas filhas deram um grito de alegria! Avistaram dois arcos dourados riscando os céus da cidade. Adivinhem? Mac Donalds. Tudo bem. É a globalização. Na entrada da lanchonete, em um shopping Center, ficamos parados alguns segundo olhando uma obra faraônica que recortava a escuridão. Em estilo greco-romano, erguia-se em nossa frente à maior Igreja Universal do Reino de Deus que eu já havia visto. Fiquei um pouco intrigada, pois, havia imaginado que ali, a religião dominante realmente era o Candomblé, mas, aquela igreja demonstrava que muita coisa estava diferente na Bahia. Tinha mais de vinte anos que eu não ia a Salvador e já notava as mudanças...
Seguimos para o hotel, onde os folhetos indicavam que se localizava em uma famosa praia, de frente para o oceano. Quando chegamos a imprensão foi triste. Toda a praia estava cercada de tapumes, impedindo o acesso ao mar. Informaram-nos na recepção, que a prefeitura estava recuperando a orla, trabalho lento, moroso, como quase tudo na Bahia.
Já comecei a treinar o sotaque baiano observando o recepcionista, fala pausada, pensada, “digue me rei”... Cordial, amistoso. Um ritmo totalmente diferente do nosso. Incrível como esse povo pode ter uma batida tão forte na música, com tambores repicando ensurdecedoramente, ao passo que, no dia a dia, são tão calmos e tranqüilos. Sem dúvidas extravasam tudo na batida do samba. Ou do afoxé. No dia seguinte, ás cinco horas da manhã, o sol invadiu o quarto, incandescente, vibrante, anunciando mais um dia em terras baianas. Oxê! Que calor. Céu azul sem nuvens, criando miragens no horizonte, pulei da cama e vesti o biquíni em dois segundos. Afinal, para nós goianos, o mar é uma festa, uma mágica, talvez por não podermos desfrutar o tempo todo de seus encantos... Coloquei Ivete berrando no som do carro e segui para a praia, não sem antes me fartar no café da manhã, com cuzcuz, mandioca ou macaxeira, carne seca com cebola, banana frita pamonha doce, tapioca, até batata doce cozida tinha... Para arrematar tomei um suco de siriguela geladinho... delícia! Era um verdadeiro almoço... No bufê serviam os pratos tradicionais de um café da manhã, mais férias era para o exótico mesmo. Eu sempre sigo essa regra! Seguimos para o norte da cidade, onde estavam as melhores praias... Kilos de filtro solar, chapéu, óculos, dia perfeito. O mar fez seu papel direitinho, quebrando suavemente na praia, formando piscininhas naturais onde torramos no sol. Nas barracas de praia o único requisito realmente necessário era paciência! Você pedia uma cerveja demorava meia-hora e às vezes a garçonete voltava para confirmar o pedido umas três vezes, vinha lentamente, arrastando os chinelos e dizia no sotaque peculiar: “Minha santa, tu pediu foi uma cerveja? Foi?” Notei esse hábito de repetir o verbo no final da frase... Eu respondia arrastado, no mesmo ritmo: “fooii!” Sorria calmamente, afinal, estava na Bahia.
Dia seguinte, levar a criançada para um banho de cultura... Pelourinho, Centro histórico, coração da Bahia antiga. Primeira parada, Mercado Modelo. Lojinhas traziam os artigos típicos, camisetas, nada diferente de qualquer lugar do país. Um negro reluzente ao sol, sem camisa, guardava o estacionamento na entrada, coçando a barriga, lentamente, explicou a meu marido. “meu rei, pra parar aqui tu tem de pagar dez contos”... Meu marido achou caro. Exclamou; “dez?” ele retrucou calmamente: “é. Aceito dólar ou euros se ocê tiver”. Meu esposo então, falou indignado: “rapaz, você tá doido? Não sou gringo, não. Sou brasileiro como você!” Ele impassível na sua manha baiana respondeu: “Têm jeito não, sangue bom, são as leis do mercado”. Eu então criei uma senha para todos os momentos de tensão em terras baianas. Olhei para o maridão e falei: _Sorria... nem precisei completar a frase. Ele pagou indignado e seguimos em direção ao elevador Lacerda. Que faz o acesso da cidade alta à cidade baixa. Surpreendentemente só custava 0.50 centavos. Visitamos a pequena pracinha denominada pelourinho; Ouvimos o batuque do Olodun, que dava um show por ali, visitamos uma igreja com mais de quinhentos quilos de ouro e ao final, não resisti e comprei uma bela cocada branca, vendida por uma baiana sorridente com os dentes mais brancos que eu já havia visto na vida. E duvido que ela tenha feito clareamento a laser.
E os dias foram transcorrendo, morosos, quentes, lentos, regados a muita caipiroska de siriguela. Muito peixe “vermelho” assado, quente na pimenta, muita moquequa. E todo aquele espírito foi se entranhando em nossos corpos e nossas almas. Stress? Essa palavra ali não existia. Chegou o dia do retorno e então percebi que a baianidade havia realmente se apossado de nossas almas. Perguntei _ochê, amanhã precisamos ir embora! Ele lentamente e pausadamente falou: _ Vou nãaaoo... eu respondi lentamente também, que é o ritmo ideal naquelas terras. _ Vai não é? Bom, vamos outro dia... Então olhamos uns minutos o balanço do mar e falamos juntos. _ Que preguiiiiça!
Eh! Bahia! Seus encantos e mistérios.

Eliane Brito

OS ANJOS DA GUARDA DE NOSSAS CRIANÇAS


“Santo anjo do senhor,
Meu zeloso guardador,
Se a ti me confiou a piedade divina,
Sempre me guarde, rege, governa, ilumina
.”

Quero falar sobre a responsabilidade de cuidado e proteção dos pais do nosso Brasil. Ano passado, fiquei surpresa com o número de pais que haviam esquecido seus filhos dentro de veículos. Foram três casos que eu me lembre. É triste e alarmante na minha concepção. Retrata o desrespeito e o descaso desses genitores com o que temos de mais importante. Nossas crianças...

Nosso sistema legal classifica esses “episódios” como crime culposo. A lei, parte do pressuposto de que o próprio resultado do crime, já traz em seu bojo a punição. Muitos discordariam de mim. Diriam. Tenha piedade. A pena já foi imposta. Mas, eu não consigo me calar... O sangue dessas crianças grita e apela por socorro. Até quando vai haver tanta negligência e despreparo no cuidado com os nossos futuros cidadãos? Com esses pequenos brasileirinhos que um dia construirão o nosso país.

Há muito tenho levantando essa bandeira em roda de bate-papo com amigos. O brasileiro médio, o cidadão comum, encara a paternidade com despreparo. Brincando com a vida dessas crianças indefesas. Posso ver isso a todo o momento. No trânsito, onde o pai carrega seu filhinho de dois anos, na frente da motocicleta, sem capacete, sem respeitar nenhuma norma de segurança. Nos veículos, aonde as crianças são transportadas no banco da frente, sem cintos de segurança, nem idade legal que é de dez anos. Nos clubes recreativos, onde esses guardiões legais passam o dia inteiro sob o sol, bebendo litros e litros de cerveja e as crianças nadam pelas piscinas sem nenhum acompanhante. Certa ocasião tive a oportunidade de salvar uma menininha de aproximadamente três anos de ser afogada. Quando a devolvi para a mãe, que já estava devidamente alcoolizada, ouvi a seguinte exclamação: - Deixa esse troço, aí!

Ela usou a expressão absolutamente correta para definir sua concepção de uma criança... É uma coisa, um objeto incômodo que precisa ser transportado de um lado para o outro, muitas vezes com menos cuidado do que o que teríamos com um vaso, ou um objeto valioso. A que reportaríamos esse descaso? A falta de educação? Cultura? Desamor? Talvez todos esses fatores trabalhando juntos para perpetuar “acidentes” como esses. Não podemos negar, acidentes realmente ocorrem. Fatos imprevisíveis, que se tomando todas as medidas de precaução e ainda a despeito delas, acontecem. Mas, nesses episódios divulgados pelos jornais, o que fica no final é um gosto amargo na boca. Um pensamento martelando o cérebro, dizendo: Cuidado! Cuidado! Onde está o cuidado desses protetores naturais, desses guardiões, considerados os melhores pela mãe natureza.

No caso dos sufocamentos em veículos, algumas pessoas argumentaram comigo que o problema era da película de proteção do carro, que escurecia de tal forma o interior do mesmo, impossibilitando o socorro. Achei muito simplista esse raciocínio... O problema é a película nos olhos das pessoas. Vamos retirar essa película que obscurece nossa visão e nos diz que tudo é perdoável. Que a culpa foi do filme plástico. E a criança? Como é que fica?
Talvez o ser humano esteja rompendo mais uma barreira para diferenciá-lo dos animais. Deixando sua prole exposta aos perigos da natureza cruel. Rompendo assim com um instinto animal de proteção e cuidado. E o pior. Comprometendo seriamente o futuro daqueles que guiarão nosso país. Que ensinarão para as próximas gerações, os nossos netos, uma lição apreendida à duras penas. A lição do desamor e da irresponsabilidade. “Quem ama cuida”.

ELIANE BRITO.
É escritora e Advogada.

Crônica publicada no jornal "o popular" do dia 04 de setembro de 2008. Coluna opinião.

Merde!


Essa semana fui confrontada com uma pergunta. Até que ponto é saudável xingar? Estou falando de xingamentos assim, que são um verdadeiro desabafo...Tipo, droga, m..., aqueles que nos saem espontaneamente quando algo de ruim nos acontece... Andando pela casa esbarrei em uma mesinha lateral, não contive a exclamação! (vou dizer em francês, por que fica mais chique). Merde! Imediatamente fiquei sem-graça, imaginando que alguém pudesse ter ouvido... mas, essa vergonha me levou a pergunta acima. Será que é realmente nocivo extravasar nossos sentimentos negativos... Até que ponto é salutar guardar as emoções mais baixas, como raiva, indignação, dor em nosso íntimo? Será que alguns xingamentozinhos inofensivos não podem ser benéficos pra saúde?
Já que estava me dedicando a esse assunto resolvi olhar no bom e velho Aurélio. Xingar_ verbo transitivo e intransitivo. Opa, já era uma coisa boa, mostrava que ele é maleável, fluído, transita em muitas situações. Entre o bem e o mal, quem sabe... Dentre outros significados o que vejo? “igual a descompor”. Nossa! Descompor quem? Os outros ou a nós mesmos? Nos reconstruir, através da expressão das nossa emoções e quem sabe nos tornarmos pessoas melhores e mais autênticas.
Exclui mentalmente esses pensamentos . Não! Xingar é sempre feio e pessoas irritadas não têm preparo psicológico. Além do que, denota falta de educação. Olhe bem leitores, não estou falando dos grandes xingamentos, estou falando daquela palavra impensada, sabe aquela? Que sai assim, sem nenhuma preparação. Naturalmente. Acredito que o ideal realmente é se manter firme ser radicalmente contra toda forma de linguagem iníqua.(adoro essa palavra, tirei da Bíblia...não parece um xingamento?) A dúvida me corroeu... Adianta, falar pros nosso filhos: “Xingar é feio!” e de repente, bum. Esbarra na mesinha e...saiu!
Imediatamente comecei a rememorar as grandes xingadoras que eu havia conhecido durante a vida e estarrecida constatei que todas estavam bem e saudáveis. A mais notória, avó de um grande amigo, havia completado 80 anos recentemente, festa grande, família toda reunida, saúde de ferro. Notabilizou-se por nunca “ter levado um desaforo pra casa”. As pessoas comentavam com orgulho suas peripécias, rememoravam brigas memoráveis: no trânsito, com o jardineiro, na feira, com taxistas, familiares. Ninguém escapava de suas investidas certeiras... Caso se sentisse injustiçada, não ponderava um segundo. Tirava satisfações na hora. E não hesitava em extravasar xingamentos tipo: Crápula! Cachorro! Constava do seu repertório, uma palavrinha que eu acho o máximo na língua portuguesa, pois nos remete as nossas raízes católicas, nossa herança ancestral. “Excomungado”. Lembro que quando era criança achei tão legal essa palavra que pesquisei no dicionário. Pois, na prática essa palavra não existe. Pelo menos eu não conheço nenhum excomungado. É uma palavra forte! Salta da boca como uma pequena explosão. Deve ser dita de uma vez só. Em um só sopro e de preferência gritada pra surtir efeito! Não pude deixar de pensar, que, de alguma forma, devemos evitar guardar e remoer o que nos prejudica. Lembrei-me de quando tive um acidente terrível de carro e algumas pessoas me perguntavam o que eu havia sentido na hora, quando percebi que iria bater de frente no caminhão. Ficava calada e não respondia nada. Pois, a verdade quero confessar agora. Quanto mais me aproximava do caminhão, repetia mentalmente uma única palavra: “Fud**! Fud**! Fud**! Pode uma coisa dessas? Se eu tivesse morrido, esses teriam sido meus últimos pensamentos. Mas, acho que o cérebro, desencadeia em situações de tensão, palavras fortes, que expressem essas emoções e trabalhem o choque. E o que acontece quando você sai do outro lado? Depois desses desabafos. Você sai leve! De alguma forma colocou a energia negativa pra fora.
Finalmente defendo ainda, a teoria de que tal comportamento é inato ao ser humano. Digo isso por observação própria. Já vi crianças repetirem essas atitudes, quando caem ou se machucam de forma automática. Penso que o esquema é o seguinte. Se você foi agredido de alguma forma, seja verbalmente ou um acidente, ou coisa qualquer. Abre-se um mecanismo de auto-proteção imediata. O Cérebro manda rapidamente a resposta que vai equilibrar a situação. E o que nós devemos fazer? Aceitar. Pois, tudo que ataca nossa natureza animal e primitiva, gera doenças. Já, segundo os ensinamentos hinduístas devemos alcançar um estado de distanciamento dos acontecimentos materiais, que nos levem a ignorar todas as situações adversas. Nosso mundo é uma ilusão, não existe. Só o nosso mundo mental de paz é real, plácido como um lago. Mas, acreditem em mim, pratico meditação há alguns anos. É difícil. Quando a realidade nos pega desprevenidos. Colocamos tudo a perder.
Para confirmar minha teoria, lembrei de todas as pessoas altamente controladas que havia conhecido. Sabe aquelas que nunca xingaram, perfeitas! Bom, é a minha experiência... nenhuma está viva.
Merde! Merde! Merde! Queimei a língua com o chá...

Eliane Brito