terça-feira, 15 de dezembro de 2009

PERSONALIZANDO A VIDA!


Peço perdão. Sinceramente. Perdão, caro leitor por começar essa crônica, de certa forma... Falando mal de alguém. Falo de “X”, pessoa de minhas relações. Falo tranqüila, por que sei que ela provavelmente não lerá essa historiazinha. Afinal, ela nunca tem tempo para nada. Para ler essa crônica teria de contratar uma personal-leitora, que faria o serviço enquanto ela está na esteira. Ocorre que, visitou-me e após se retirar fiquei pensando sobre o quanto sua vida era sem sentido e desprovida de valor intrínseco. Pronto, falei! Cheguei a essa conclusão, após ela me contar sua rotina e de como é cheia de “personais”. E não falo de professores de educação física, isso é absolutamente ultrapassado, apesar de que, ela têm. Ela me relatara sobre os diferentes tipos de personal que precisara contratar para se encaixar no padrão que a sociedade estabelecera de uma mulher bem-sucedida.
Ufa! Só de escrever já fico cansada! Vocês já deduziram que ela é rica, ou pelo menos classe média alta... Esses luxos não se aplicam a nós, pobres mortais. A conversa iniciou-se com ela relatando-me que contratara uma “personal stylist." Contou-me que não tinha tempo de escolher as roupas que usaria no dia-a-dia e assim essa profissional, ia até sua casa, quebrava a cabeça montando os diversos trajes que ela usaria no mês e deixava tudo etiquetado e arrumado, com acessórios separados só para ela enfiar pela cabeça. Ainda por cima, comprava os itens que fossem necessários e adequava as suas medidas. Um sonho, né? Só que a “Personal stilyst” indicara uma “personal home”. Essa profissional, gabaritadíssima, pois, pelo seu relato, deduzi que era formada em curso superior, organizaria todos os armários de sua casa. Deixando tudo rotulado, separado e visível. Ou seja, acabaria com a bagunça do lar. Maravilhoso, não?
E por aí prosseguiu o seu relato. Contou-me que o filho ia muito mal à escola. Notas ruins, comportamento péssimo. Assim, contratara um “personal teacher” que ia até sua residência fazer as tarefas com o garoto e uma psicóloga. Que eu, com um toque de cinismo- não pude deixar de pensar, seria uma “personal mother”- para conversar com o garoto e descobrir o quê eu já deduzira: Ele estava carente de mãe. Presença física mesmo. Eu sei. Eu sei... Que estou sendo dura. Afinal, “x” trabalha muito e é uma referência no seu campo de atuação. Mas, comecei a achar que o preço disso tudo estava saindo muito caro...
Toquei no assunto e ela me falou que realmente, vinha gastando horrores, pois, na última semana tivera de contratar uma “personal Shopper”, para comprar os mantimentos no supermercado, produtos de limpeza e tudo o mais que fosse necessário para o bom andamento da casa. Afinal sua empregada (que não deixava de ser personal-maid) não podia fazer essas tarefas. E, para arrematar, contratara uma “personal dog”. Aí, eu assustei! Exclamei, “personal o quê?” e ela falou pausadamente: Dog. Essa profissional passa todos os dias em sua casa e leva os cachorros para passear. Além de uma vez por semana levar ao pet shop.
Despediu-se apressada, precisava remarcar o horário com sua “personal massagist” , que todos os dias passava em sua casa, levando uma maca portátil, para lhe aplicar uma massagem relaxante. Realmente. Era muita tensão! Senti-me uma roceira, mesmo! Quer dizer que para ter aquela aparência perfeita, carreira, marido, filhos exemplares, casa impecável, cachorros de revista, era necessário tudo isso? Será... Vamos raciocinar juntos, que não seria melhor ela simplesmente ficar um período no lar e ser um pouco mãe, dona-de-casa, etc. Relaxar cuidando de tudo o que lutara para construir. Quase sugeri isso, ainda bem que me contive! Com certeza ela me olharia horrorizada e me indicaria seu “personal analyst”. Esse último para fazer com que eu me enxergasse e enxergasse melhor o mundo em que eu vivo.

ELIANE BRITO, é escritora e advogada. eliane@rodovalho.com.br.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

AVATAR


A primeira vez que ouvi a palavra “avatar” foi na Índia. Intrigada com todas as manifestações do Deus Vishnu, que em cada localidade assumia uma personalidade e um nome diferente, busquei informações e descobri que eram diversos avatares. Para o hinduísmo, o avatar é a manifestação corporal de um ser imortal. Essa designação deriva da palavra sânscrita “avatara”, que significa “descendente”. Em uma tradução abrasileirada seria a encarnação de um Deus em forma humana ou animal. O que ocorre com Vishnu é que ele se encarna parcialmente em todos os seus avatares. Porém, tem uma peculariedade, este jamais participa do sofrimento humano, sob pena de perder seus poderes extraordinários. Para o cristianismo seria o equivalente a manifestação do espírito na matéria, gerando o nascimento. É incrível como a realidade virtual está sempre resgatando esses conceitos que transitam perdidos pela psique humana. Para o mundo moderno é o desenho ou a representação gráfica de uma imagem. De pessoa ou não, em um Chat de terceira dimensão ou no ciberespaço.
Criar seu próprio avatar é uma tendência e cada vez mais pessoas aderem à essa brincadeira. Várias redes sociais já disponibilizam esse aplicativo e os internautas se divertem com as estripulias de seus “seres imortais”. Não tenho dúvidas, se eu tivesse de escolher um avatar seria aquele que eu incorporava na minha infância: a mulher-maravilha. Até hoje me recordo do nome da atriz que interpretava o personagem, Linda Carter, e de seu semblante perfeito. Morena, de olhos azuis, vestida com aquela roupa recortada da bandeira americana (agora eu sei....) azul e vermelha, cheia de estrelas prateadas. Em minha imaginação de criança era o meu ideal de mulher perfeita. Justiceira. Certo aniversário ganhei de presente a fantasia da famosa heroína. Foi o melhor presente que já recebi na vida! Brinquei tanto, corri, saltei, lutei contra vários seres do mal, que só desisti da roupa, depois de muito choro, quando mamãe deu um sumiço nos farrapos que sobraram. De herança, fiquei com um saldo de um dente quebrado, após saltar de um muro de aproximadamente dois metros. Mas, o que importava isso? Eu era uma heroína! Eu salvava o mundo. Seria esse o objetivo de um avatar? Encarnar nossos mais altos ideais?
A internet é um mundo paralelo. As pessoas apenas reconstroem conceitos. Trabalham com antigos paradigmas e recriam sua realidade. Fica a imprensão de que tudo é novo, mas, na verdade é tudo um jeito diferente de contar velhas histórias. É uma divertida brincadeira que esconde uma face triste. As pessoas buscam a interação, um mundo mais seguro, valores antigos como amizade, romantismo e alguns princípios que já não estão mais em voga. Como não encontram no mundo real, viajam para seus mundos paralelos. Nesse mundo de avatares, não existe principalmente a morte (esse ser é imortal), não existe tristeza, fome ou fealdade. O mundo pode ser o mais belo que a imaginação conseguir criar. Nessa sociedade hedonista, abrimos mão de tudo que não seja absolutamente prazeroso e nos refugiamos no mundo maravilhoso do ciberespaço.
O chato é que a brincadeira uma hora acaba. Aí precisamos encarar nosso mundinho, finito, monótono e cheio de tragédias. Bom, se você quer um conselho, faça como eu: _Traga sempre seu avatar (aquele justiceiro, cheio de caráter, fé e amor), dentro dos bolsos de sua imaginação. E, sempre que a realidade permitir, deixe que ele se manifeste! É assim que lhe damos vida! Deixe que ele salve o mundo, as crianças carentes, as velhinhas, etc... Mas, que essa brincadeirinha fique somente entre nós... é segredo.

ELIANE BRITO é escritora, advogada, sócia da ONG “Fazemos o bem”. eliane@rodovalho.com.br

Germinando o milagre da vida!

Comprei uma revista que falava sobre os poderes maravilhosos dos sucos. Trazia uma receita especial sobre o “suco de grãos germinados”. Recomendava que, de preferência se pusesse para germinar a semente de trigo. Esse cereal, segundo a reportagem, reforçava nossas atitudes de persistência e coragem. Comprei a semente e fiz como ensinavam: coloquei de molho por oito horas, escorri, depois coloquei para crescer sobre uma vasilha de barro, repousando sobre um tecido de algodão cru. Reguei duas vezes por dia somente com água e aguardei.
Como foi mágico quando a semente germinou. As folhinhas, parecendo pequenas lâminas, extremamente verdes, começaram a aparecer em meio aos grãos e dia após dia se transformaram em minha lavourazinha particular. Lembrei dos trabalhos escolares, quando colocava o grãozinho de feijão para crescer em cima do algodão... Agora, sentia a mesma emoção novamente, observando meu pequeno milagre. Quando trazemos a natureza pra dentro de casa, mesmo com esses pequenos gestos, todos se envolvem. Minhas filhas acompanhavam o processo e me davam um relatório assim que eu entrava em casa. Tive até de chamar a atenção! Molhavam demais as frágeis plantinhas, correndo o risco de matá-las, por excesso de água.
Finalmente chegou o grande dia. Quando supus que já estavam de bom tamanho, anunciei: _ Vou colher um pouco dos grãos germinados para fazer o suco! Todas correram para a cozinha atentas ao processo. Tentei puxar as sementes e que surpresa! Estavam grudadas de forma firme no tecido. As raízes, tais quais pequenas ramas, se infiltravam pelas fibras, tendo o triplo ou mais de tamanho em relação às folhas. E eram resistentes. Puxei com força, mas não desgrudaram. Ficamos atônitas e maravilhadas (gente da cidade é boba mesmo!). Questionamo-nos se colocaríamos as raízes no suco e eu decidi rápido: _É claro. Têm muitas proteínas e nutrientes! Cortei uma porção cuidadosamente com a faca, lavei, coloquei no processador com maça, cenoura, limão, laranja, couve (rica em ferro) e alface (calmante e desestressante). Adocei com mel e coei. Parece ruim? _Ficou uma delícia! Por incrível que pareça, as meninas (que acompanharam o plantio) foram as primeiras a tomarem.
Descobri que esse suco é mágico mesmo! Não pelo suco em si, que alguns dizem que cura toda sorte de doenças. Mas, pelo processo do plantio, do cuidado, da preparação. Aprendi a observar o tempo das coisas. Aguardar que a natureza aja e esperar que as sementes brotem. Aprendi sobre o cuidado, sobre amor, regar com a quantidade certa todos os dias, aguardando com paciência que surjam os primeiros raminhos. Aprendi sobre raízes. Como elas se entranham e são resistentes. Muitas vezes observamos apenas a superfície das coisas sem olhar seu substrato. Aquilo que as sustenta. Aprendi um pouco mais sobre o trabalho paciente. As pequenas ações que parecem que não vão dar em nada, mas que, com um pouco de calma, transformam-se no milagre da vida. E de quebra, aprendi que as misturas mais inusitadas podem render bons sucos. Que é da diversidade que nasce os sabores mais incríveis. Saúde!

ELIANE BRITO é escritora, advogada, conselheira eleita da OAB-GO. eliane@rodovalho.com.br