terça-feira, 17 de agosto de 2010

CONDUZINDO MISS ELIANE.

Que figura ao mesmo tempo doce e enérgica, pensei, observando o simpático velhinho. Perguntei seu nome e ele me respondeu que se chamava “Les Stokes”. Eu rapidamente decidi que o trataria simplesmente por Mister Les. Estava na Inglaterra e fui premiada com a sua companhia , como meu motorista. Ele assumiu essa tarefa e mais ainda, assumiu o papel de meu guardião, intérprete (para meu desgosto, pois queria praticar a lingua) e meu mordomo. Eu diria que Mr. Les adotou-me em solo inglês. Nossa empatia foi instantânea.

Na primeira manhã ele me aguardava empertigado na porta do hotel, na cidade de Cambridge. “Miss Elaine, onde deseja ir?” me perguntou com seu inconfundível sotaque inglês. Falei que gostaria que ele me deixasse no centro histórico da cidade universitária. pois, iria apenas perambular, sem destino certo. Ele então me conduziu até as proximidades do mundialmente famoso “Kings College”, a escola dos filhos da monarquia e da aristocracia britânica. Desembarquei e comecei a caminhar. Logo, adentrei em uma igreja secular, que sem dúvidas era mais velha que o Brasil. Fiz o sinal da cruz e comecei a orar. No fundo da igreja percebi a presença silenciosa e protetora de Mr. Les. Havia me seguido. O seu olhar  era sempre vivo e inteligente, mas, observei que estava triste e pude perceber seus olhos marejados de lágrimas.

Percorri a encantadora cidadezinha universitária, observando tudo. Cambridge foi construída às margens do rio Cam, que junto com sua charmosa ponte dá nome a cidade: Cam+bridge. Aproveitei para visitar o “College” que abrigara Charles Darwin e muitos outros pontos interessantes. Ao final de minha excursão, como toda mulher que se preze, estava carregada de sacolas. Quando cheguei ao local combinado para retornar, Mr. Les, com sua pompa inglesa característica exclamou: “Oh! Pelo jeito foi uma manhã bem feliz para nossas lojas!” Sorri e expliquei que era meu material de trabalho. Livros.

Começamos uma agradável conversa e decidi ensiná-lo algumas palavras de português. Ensinei-lhe: “bom dia, boa tarde, até logo, muito prazer, etc.” Ele anotava tudo e prometeu-me estudar depois. Mas, o que se tornou a marca de nossa amizade foi uma certa palavrinha. Disse-lhe: “Olhe, vou ensinar-lhe uma expressão que serve para tudo em nossa língua, equivale ao OK de vocês, repita comigo: ‘Beleza’. Doutrinei, fazendo sinal de positivo. Ele falou arrastado: “Pelêêzzaaa”... gargalhei e repeti até ele aprender. Todo dia ao encontrá-lo ele me dizia: “Belêzzaa?”. E eu respondia da mesma forma.

No segundo dia, atrasei-me e perdi o café da manhã do hotel. Quando desci, Mr. Les me aguardava, recostado ao veículo. “Aonde vamos professora?”. Respondi: “Estou morta de fome, quero tomar o tradicional breakfast inglês”. Quando adentramos o restaurante, ele tomou a frente e não me deixou falar uma palavra. Explicou para todos os atendentes que eu era brasileira, encantado, com as profundas exclamações de espanto, emitidas pelos interioranos garçons. Sentei-me em frente a uma montanha de ovos, bacon, tomates e torradas. Ele então, pediu permissão para me fazer companhia, ao que eu acedi. Era um dia agradável de verão.

Contou-me, que já havia se casado duas vezes. A primeira esposa havia falecido, logo após dar à luz uma filha, que atualmente residia na Flórida, EUA. Ficara muitos anos viúvo e viera a se casar novamente, mas a segunda esposa veio a falecer duas semanas antes. Levei um susto! Exclamei: “Duas semanas?”. Ele com ar melancólico, respondeu: “Agora estou totalmente só. Trabalho para não enlouquecer!”. Pensei comigo: A força e fragilidade humana não têm fronteiras, somos iguais em toda parte.

Os dias transcorreram, visitei Birmingham, Stratford Upon Avon (a cidade natal do grande poeta Shakespeare) e finalmente chegou o último dia de seus serviços, ou melhor, dizendo, de sua companhia. Quando me deixou à porta do hotel, em Londres, falei brincando, como sempre o tratava: “Lorde Les (título nobre e respeitadíssimo na Inglaterra, concedido somente pela Rainha do Reino Unido), receba esse presentinho como sinal de agradecimento e amizade.” Entreguei-lhe então, uma caixa de bombons belgas, com um cartão onde dizia: “Você não está sozinho! Deus não abandona ninguém. Lembre-se disso... Obrigada!” Ele leu e grossas lágrimas escorreram de suas faces. Também chorei. Como se tivéssemos ensaiado, nos abraçamos e viramos as costas decididos, seguindo nosso caminho. Talvez para nunca mais nos encontrarmos... Beleza?



ELIANE BRITO é escritora, cronista e advogada. eliane@rodovalho.com.br