segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

SALDO DE CARNAVAL

Sabemos que tudo que nos acontece deixa marcas. E, a maior festa do país, o carnaval, não é diferente. O carnaval, como todas as grandes festas, deixa no seu rastro os sinais da folia e da confusão. Mas, enquanto uma festa comum deixa copos quebrados, balões espalhados pelo chão, sujeira e restos de comida, o saldo do carnaval muitas vezes é: acidentes, famílias destruídas, crianças indesejadas, Aids, bebedeiras e por aí vai...
Essa festa popular tão linda e tão rica nasceu na idade média na Europa e se disseminou por Portugal com o nome de “intrudo”. Realmente, ela tinha um caráter de “liberdade” e “exagero” desde o seu berço, porém, nos dias de hoje, onde tudo assume uma dimensão maior, ela se potencializou em milhares de vezes. Teoricamente o carnaval seria uma despedida antes do período sacrificial da quaresma. Mas, hoje em dia? Onde as pessoas, naturalmente, já não respeitam nada (nem religiões, nem sacrifícios), qual o verdadeiro significado dessa festa popular? Ninguém saberia dizer... E, os resultados dessa loucura coletiva, dessa catarse comum, se vêem ostentado nas páginas dos jornais. Esse foi - segundo dados da Polícia Rodoviária Federal - o carnaval mais mortífero dos últimos tempos, com milhares de pessoas aleijadas ou mortas como saldo final. É um preço caro que se paga por tanta alegria. É o preço de vidas humanas.
Posso colocar a imaginação para funcionar e idealizar todos os efeitos carnavalescos repercutindo pelos próximos meses. Realmente é uma festa que movimenta o país, pois, podemos prever que se venderão mais remédios nos próximos dias, o que é ótimo para a indústria farmacêutica. Remédios para DSTs variadas, antidepressivos, pois a ressaca moral carnavalesca pode ser bem cruel; estimulantes, para ajudar os cansados foliões a retornarem ao trabalho; vitaminas para (aqueles que ficaram até anêmicos) por se esquecerem de se alimentar. Para os bancos - que são quem realmente ganham dinheiro nesse país- é uma grande festa! Têm gente que vai precisar de uns dois anos para conseguir quitar as dívidas da farra. É juro de cheque especial, cartão de crédito, empréstimos.
Muitos profissionais liberais também ganharão dinheiro pelos próximos meses e desses destaco duas categorias: Advogados e Psicólogos, atuando juntos ou separadamente, sei lá! Sabemos que a maior parte dos problemas relatados acima, redunda em ações, que muitas vezes necessitam da atuação de um desses profissionais. Para os advogados, são indenizações, reconhecimento de paternidade, acidentes de trânsito, divórcios, ações contra bancos, etc. Quanto aos psicólogos, fornecem o suporte da “análise”, para levar o folião a entender o que o motivou (verdadeiramente) para cometer aquelas loucuras todas e assim, se conhecer melhor.
O único saldo positivo desse carnaval, na minha concepção, é que os jovens saíram um pouco da frente da televisão. Pelo menos por alguns dias se libertaram do Big Brother, como todos sabem, programa grotesco atualmente no ar, em nosso país. Carnaval x BBB. Acho que dá um empate no final. São choques titânicos do esdrúxulo, do bestial, temperados por uma boa dose de sexo, muitas vezes explícito.
E a alegria? Vamos nos concentrar na alegria... Perdoem-me o cinismo: Primeiro ponto positivo: Acabou. Graças a Deus! Segundo: Sobrevivemos! Isso é bom. Terceiro: Para alegria geral, ano que vem tem mais! E, a roda da vida segue girando...

ELIANE BRITO, é escritora, cronista e advogada. eliane@rodovalho.com.br

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

CIDADELA DE MACHU PICHU


Céus, como pode existir tanta beleza? De um ponto privilegiado observava a montanha de Machu Pichu, que quer dizer “montanha velha” e lutava para respirar. A Altitude não ajudava e também a longa escadaria que havia subido para chegar até ali. Mas, olhando a paisagem não me arrependi, valera a pena! A impressionante cidadela se desdobrava aos meus pés, encravada na velha montanha, que se abria e estendia-se na paisagem, criando uma espécie de vale suspenso onde as construções se apoiavam. Alguns já a chamaram de “cidade perdida dos Incas”, mas, os andinos que eu conversara, me afirmaram que a verdadeira cidade ainda não foi descoberta. Está escondida em algum lugar da Amazônia, talvez até no lado brasileiro. Dizem que ela é feita toda em ouro e em pedras preciosas. Para os Incas o ouro são as lágrimas do Sol e a prata, o choro da lua.
Essa cidadezinha, construída caprichosamente por esse povo, é considerada um santuário histórico. Uma das sete maravilhas do mundo. E ali, observando o verdor das montanhas, com moitas ocasionais de flores em diferentes matizes, com nuvens passando tão rápidas sobre minha cabeça - que quase se poderia tocar - senti em todo meu corpo como aquele local era especial. O título de cidadela se justifica, pois, a mesma é guardada por quatro montanhas, a que a abriga e as outras três, garantindo a privacidade e a segurança. Ofegante, retirei algumas folhas de coca do bolso e comecei a mascar, tal quais os cusquenhos, enquanto sentava-me e observava a paisagem, jogando o ar frio nos pulmões.
Quando chegara a Cuzco, no vale de huatanay, ou vale sagrado, em uma manhã fria de janeiro, já me deslumbrara no avião com a paisagem Andina. As majestosas montanhas se projetavam para o céu, como se quisessem ferir as nuvens. Algumas de forma caprichosa e requintada, ostentavam em seus cumes uma cobertura de neve. Volta e meio um lago verde e profundo quebrava a simetria da paisagem. O chá de coca era um santo remédio nessa altitude (estava a mais de três mil e quatrocentos metros de altura). Descobrira isso de imediato. Quando pisara em solo a pressão atmosférica repercutira como um leve zunido nos ouvidos. A Cabeça começou a latejar, um estranho aperto comprimia o peito, estava ofegante. E a sabedoria milenar já ensinava, nenhum remédio seria capaz de aliviar esses sintomas. Somente a “hoja de coca”. Que não é droga e tem um efeito infinitamente mais suave que a cocaína, essa última, seria como o extrato da folha potencializado em milhares de vezes. Foi um bálsamo quando o atendente do hotel, antes mesmo de me cumprimentar, me ofereceu uma xícara bojuda do precioso líquido. Tomei sofregamente, na tentativa de amenizar os sintomas. Tinha gosto de mato, mais nada. Após alguns minutos meu corpo começou a se estabilizar. Os nativos sabiam que esses males poderiam se agravar e se transformar no “Sorochi”, ou mal das alturas. E, por isso eram firmes na orientação de que tomássemos a bebida.
Deixando de lado essas digressões, concentrei-me em observar as edificações. Minha atenção foi atraída por uma grande pedra que se destacava, centralizada em um pátio. Tratava-se de um observatório astronômico. Ali, os sacerdotes incas, observavam o céu e anotavam com precisão todos os eventos celestes, desde os eclipses (o mais temido), até os cometas, órbitas de planetas, etc. O objetivo da pedra era muito simples. Quando havia algum eclipse, eles por medo de que o sol não retornasse, sacrificavam a mais preciosa oferenda, “uma virgem do sol”, moças preparadas à vida inteira para esse momento, com educação e alimentação diferenciadas. E o interessante é que essa pedra ficava postada exatamente de frente para o nascimento do astro. Quando ele emergia entre as montanhas, incidia diretamente ali. O sol recebia o nome de “inti” em Quéchua, o idioma incaico e era o Deus mais importante.
Fiquei ali, um pouco aturdida, sentindo o Deus em minhas faces e agradecendo por aquele momento único. Meu coração parecia um tambor no peito, batendo forte em admiração e respeito por aquele povo. Que, vivia em integração com a natureza, com engenhosidade e sabedoria, que agradecia pelo alimento, pela grande dádiva viver nesse planeta. Que, sabia que não existimos separados da natureza. Que a vida se processa de forma integrada e que nós somos apenas uma parcela da criação. Ali, naquele momento, pensei que realmente acredito que ainda não se encontrou a verdadeira cidade perdida. A verdadeira Machu Pichu. Simplesmente, por que ela está dentro de nós. Para se chegar até ela o passaporte é o amor e a pureza de alma. Por isso ela se perde nas brumas e a humanidade caminha em escuridão, decaída, sem saber que direção seguir. Sem saber como alcançar pensamentos puros como a luz, que nos encaminhem para essa cidade de ouro.

ELIANE BRITO é escritora, advogada. eliane@rodovalho.com Publicado no Dm do dia 01/01/2010