terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Sorria, você está na Bahia!




Férias! Só de dizer essa palavra... Todos, desde crianças a adultos não reprimem um sorriso. Na Bahia então... Maravilha! Todas aquelas imagens emblemáticas passaram por minha mente como um flash. Zás! Sol, corpos negros estirados nas areias brancas, o batuque do Olodum, baianas trajadas de branco, vendendo acarajés... Mar verde profundo, intenso, como aquelas terras, comecei até a ouvir uma musiquinha repicando na cabeça... “o que é que a baiana têm? “o que é que a baiana tem...
Decidimos viajar de carro toda a família... Destino: Salvador. Partimos, seguindo o trajeto, Brasília, Barreiras, terras soteropolitanas. A estrada surpreendentemente para os padrões brasileiros estava excelente. Sem buracos, muitas vezes sem acostamento, mas, no geral, boa. Quando ingressamos em solo baiano, a primeira placa alertava: “Sorria, você está na Bahia!” Depois pude compreender toda a complexidade e extensão desse mandamento baiano. Dois dias de viagem, 1707 quilômetros, bumbuns doloridos, corpos exaustos, mas, avistamos no final do segundo dia Salvador. Na entrada da cidade, o cartão postal brasileiro: favelas intermináveis, que se tornaram até poéticas ao entardecer, com suas luzinhas piscando na escuridão. Morros e mais morros, apinhados de casinha diminutas, com suas antenas parabólicas apontadas para o céu. Pensei ironicamente, com certeza a televisão unificava esse país, pela mesma emissora. Circulamos pela cidade e minhas filhas deram um grito de alegria! Avistaram dois arcos dourados riscando os céus da cidade. Adivinhem? Mac Donalds. Tudo bem. É a globalização. Na entrada da lanchonete, em um shopping Center, ficamos parados alguns segundo olhando uma obra faraônica que recortava a escuridão. Em estilo greco-romano, erguia-se em nossa frente à maior Igreja Universal do Reino de Deus que eu já havia visto. Fiquei um pouco intrigada, pois, havia imaginado que ali, a religião dominante realmente era o Candomblé, mas, aquela igreja demonstrava que muita coisa estava diferente na Bahia. Tinha mais de vinte anos que eu não ia a Salvador e já notava as mudanças...
Seguimos para o hotel, onde os folhetos indicavam que se localizava em uma famosa praia, de frente para o oceano. Quando chegamos a imprensão foi triste. Toda a praia estava cercada de tapumes, impedindo o acesso ao mar. Informaram-nos na recepção, que a prefeitura estava recuperando a orla, trabalho lento, moroso, como quase tudo na Bahia.
Já comecei a treinar o sotaque baiano observando o recepcionista, fala pausada, pensada, “digue me rei”... Cordial, amistoso. Um ritmo totalmente diferente do nosso. Incrível como esse povo pode ter uma batida tão forte na música, com tambores repicando ensurdecedoramente, ao passo que, no dia a dia, são tão calmos e tranqüilos. Sem dúvidas extravasam tudo na batida do samba. Ou do afoxé. No dia seguinte, ás cinco horas da manhã, o sol invadiu o quarto, incandescente, vibrante, anunciando mais um dia em terras baianas. Oxê! Que calor. Céu azul sem nuvens, criando miragens no horizonte, pulei da cama e vesti o biquíni em dois segundos. Afinal, para nós goianos, o mar é uma festa, uma mágica, talvez por não podermos desfrutar o tempo todo de seus encantos... Coloquei Ivete berrando no som do carro e segui para a praia, não sem antes me fartar no café da manhã, com cuzcuz, mandioca ou macaxeira, carne seca com cebola, banana frita pamonha doce, tapioca, até batata doce cozida tinha... Para arrematar tomei um suco de siriguela geladinho... delícia! Era um verdadeiro almoço... No bufê serviam os pratos tradicionais de um café da manhã, mais férias era para o exótico mesmo. Eu sempre sigo essa regra! Seguimos para o norte da cidade, onde estavam as melhores praias... Kilos de filtro solar, chapéu, óculos, dia perfeito. O mar fez seu papel direitinho, quebrando suavemente na praia, formando piscininhas naturais onde torramos no sol. Nas barracas de praia o único requisito realmente necessário era paciência! Você pedia uma cerveja demorava meia-hora e às vezes a garçonete voltava para confirmar o pedido umas três vezes, vinha lentamente, arrastando os chinelos e dizia no sotaque peculiar: “Minha santa, tu pediu foi uma cerveja? Foi?” Notei esse hábito de repetir o verbo no final da frase... Eu respondia arrastado, no mesmo ritmo: “fooii!” Sorria calmamente, afinal, estava na Bahia.
Dia seguinte, levar a criançada para um banho de cultura... Pelourinho, Centro histórico, coração da Bahia antiga. Primeira parada, Mercado Modelo. Lojinhas traziam os artigos típicos, camisetas, nada diferente de qualquer lugar do país. Um negro reluzente ao sol, sem camisa, guardava o estacionamento na entrada, coçando a barriga, lentamente, explicou a meu marido. “meu rei, pra parar aqui tu tem de pagar dez contos”... Meu marido achou caro. Exclamou; “dez?” ele retrucou calmamente: “é. Aceito dólar ou euros se ocê tiver”. Meu esposo então, falou indignado: “rapaz, você tá doido? Não sou gringo, não. Sou brasileiro como você!” Ele impassível na sua manha baiana respondeu: “Têm jeito não, sangue bom, são as leis do mercado”. Eu então criei uma senha para todos os momentos de tensão em terras baianas. Olhei para o maridão e falei: _Sorria... nem precisei completar a frase. Ele pagou indignado e seguimos em direção ao elevador Lacerda. Que faz o acesso da cidade alta à cidade baixa. Surpreendentemente só custava 0.50 centavos. Visitamos a pequena pracinha denominada pelourinho; Ouvimos o batuque do Olodun, que dava um show por ali, visitamos uma igreja com mais de quinhentos quilos de ouro e ao final, não resisti e comprei uma bela cocada branca, vendida por uma baiana sorridente com os dentes mais brancos que eu já havia visto na vida. E duvido que ela tenha feito clareamento a laser.
E os dias foram transcorrendo, morosos, quentes, lentos, regados a muita caipiroska de siriguela. Muito peixe “vermelho” assado, quente na pimenta, muita moquequa. E todo aquele espírito foi se entranhando em nossos corpos e nossas almas. Stress? Essa palavra ali não existia. Chegou o dia do retorno e então percebi que a baianidade havia realmente se apossado de nossas almas. Perguntei _ochê, amanhã precisamos ir embora! Ele lentamente e pausadamente falou: _ Vou nãaaoo... eu respondi lentamente também, que é o ritmo ideal naquelas terras. _ Vai não é? Bom, vamos outro dia... Então olhamos uns minutos o balanço do mar e falamos juntos. _ Que preguiiiiça!
Eh! Bahia! Seus encantos e mistérios.

Eliane Brito

2 comentários:

Anônimo disse...

Menina desse eu posso falar de cadeira! oriunda de alemães que se radicaram em Salvador e casaram-se com espanhóis também lá radicados (por isso o mutcho e oitcho, reparou?), na missão de plantar cacau, conheço Salvador como a palma da minha mão.
Sempre foi para mim,uma terra mágica. Jamais escrevi uma linha sequer porque jamais encontrei exatidão no que queria dizer sobre Salvador e a baianice. E você aqui, nos presenteia com um texto que aponta as falhas de toda grande cidade, mas que resume uma entidade que vai se apossando de você em Salvador, até torná-lo cúmplice de um tempo que é contado pelo desfrute e nunca pela pressa. Seu talento descreveu a Bahia que tanto tentei sem conseguir. Seu texto primoroso, mostra uma terra de exoticismos grandiosos que, infelizmente, sucumbiu também aos templos evangélicos. Mas que guarda seus bastiões do sincretismo nas velhas Igrejas e nos terreiros de candomblé. Esse texto foi mais que um presente. Foi um verdadeiro prêmio. Percepção aguçada até na construção da fala baiana que acompanha o ritmo da doce indolência. Percepção aguçada no paradoxismo dessa indolência com a força e vigor dos batuques afros.
Mais uma vez, parabéns!

Anônimo disse...

Ê amiga, realmente você estava na Bahia, ô terrinha abençoada por Deus e todos os orixás.Amei o seu texto. Um beijão prá você e continua escrevendo gostoso assim.