domingo, 19 de abril de 2009

Primeiro encontro



18/04/2009
Publicidade DM
-->
Ela se sentou na minha frente soluçando. Grossas lágrimas escorriam por sua face. Levantei-me e passei para o outro lado da mesa, segurei suas mãos e percebi a gravidade da situação. Seu desespero, sua angústia. Falei com calma: – Vamos, conte-me tudo. O que aconteceu? Ela então me respondeu chorosa: – Pus tudo a perder! Sabe aquele rapaz por quem eu estava apaixonada há meses? Assenti com a cabeça. – Convidou-me para sair e eu... (engasgou com os próprios soluços) eu... Acho que só falei bobeira, estava muito nervosa, devo ter feito tudo errado... Ainda por cima engasguei com o vinho, saiu vinho até pelo meu nariz! Falou de supetão! Quando saíamos do restaurante, escorreguei, caí sentada! – Já se passou quase uma semana e ele ainda não me ligou! – exclamou.Soltei suas mãos e me afastei um pouco, avaliando a situação. Enquanto isso, ela chorava como se tivesse assassinado alguém. Parou um pouco quando respondi: – E daí? O quê é que tem? Ela me olhou um pouco chocada e respondeu: – Ele deve estar pensando o quê de mim? Que sou uma retardada? Respondeu chorosa.Eu comecei a achar a situação realmente divertida. Estava preparando um artigo altamente complexo sobre a “flexibilização das relações de trabalho” e de repente ela me entra assim, na minha sala, estranho personagem de um drama. Falei conciliadora: – A etiqueta moderna é muito flexível, não se martirize assim... Sentei-me novamente e falei:– Se você está me contando isso é por que confia em mim, certo? Ela assentiu. – Bom, a minha experiência de vida me ensinou que quando um homem gosta realmente de uma mulher essas questões não têm a menor importância. Se ele gostar realmente de você, ele vai intuir tudo o que você é, seu caráter, sua personalidade. Por outro lado, se ele não te procurar mais, esquece! Falei categórica. Não vale a pena! Brinquei: – Esquece esse bobo! Mas ela continuava choramingando... Perguntei:– Ele conhece sua família, sua criação? Ela respondeu: – Sim, ele é amigo do meu irmão. Falei: – Pronto! Se ele gostar de verdade de você, ele vai ligar! Pode ter certeza! O amor está acima dessas regrinhas de etiqueta. Inúmeros casos na história retratam pessoas que viveram grandes amores que começaram com situações trágicas. No futuro vocês ainda vão rir disso. Falei com convicção.Quando ela saiu, fiquei meditando. Se eu fosse homem, quando saísse à primeira vez com uma mulher, provavelmente outras coisas me chocariam. Por exemplo, se saíssemos para jantar e ela pedisse uma picanha enorme e suculenta. Seria uma indecência! No mundo verde em que vivemos, esse atentado à natureza me assombraria. Ou pior, idealizei... Se ela acendesse um cigarro, aí, sim, seria o fim. Um verdadeiro atentado ao pudor! Além de não se preocupar com o mundo, não cuida nem dela mesma. Deixei-me dominar por essas digressões. Imagina, se ela fosse fã do Bush, defendesse a matança das baleias, andasse em carro movido a gasolina? Sei lá, odiasse crianças e cachorros! Mas o fato de ela ser uma desastrada não a desabonava. Absolutamente.Dois dias depois, a cena se repete. Ela, ofegante, invade a minha sala. Segurando o coração, olhos esbugalhados, tenta falar, mas não consegue. Levanto-me e pergunto: – E aí? O que aconteceu? Ela recupera o fôlego e fala com voz esganiçada: – Ele me ligou! Chamou-me para jantar hoje! Nisso a mulherada do escritório todo invade a sala, rindo e pulando de alegria! Eu, aliviada, exclamei:– Não falei que ele ligava? Sem me conter, aderi ao grande abraço coletivo. Ela agora chorava de alegria e nós – bando de comadres – chorávamos junto. Como última recomendação, adverti: – Presta atenção! Pede só um peixinho e uma saladinha e vê se não engasga! Melhor, fica muda e não faça movimentos bruscos! O riso foi geral!


Eliane Brito é escritora, advogada, cronista e autora do livro Do pequi ao sushi – Crônicas de viagens (eliane@rodovalho.com.br)

Nenhum comentário: