quarta-feira, 29 de abril de 2009

NÃO PANDEGUEIS, OU SIM...


Pândego, para o dicionário, adj. ou subst masc, que significa “que ou quem gosta de pandegas, brincadeiras. Divertido ou estróina”. Eu, como fã incontestável de Machado de Assis, de vez em quando me arrisco a usar essa palavra. Resolvi afeminar o adjetivo quando me referi a certa tia, famosa por seu bom humor... Estorcendo-me de tanto rir com suas histórias, falei: ­_Tia, você é uma pândega! Ou melhor, plagiando o Capitão Nascimento do filme Tropa de Elite, “a senhora é uma fanfarrona!” Ela me contava suas aventuras e eu me contorcia de rir com sua criatividade e ousadia.
Relatou-me que foi a um empório, perto de sua casa, para comprar o lanche da tarde. Quando estava posicionada no caixa, para logo atrás uma moça muito fina, vestida com esmero. Titia segurava dois potes de sorvete -sendo um diet- uma coca-cola e pães para o lanche. O caixa já muito seu amigo falou: _Dona “B”, são cinqüenta e quatro reais. Não se contendo ela muito séria, olhando para a moça, falou: _Minha querida, você pode pagar para mim? Estou olhando aqui e acho que esqueci o dinheiro em casa e não posso voltar sem esse lanche de jeito nenhum... Principalmente o sorvete diet... Meu marido é louco por sorvete e seu entro em casa sem... Já viu... É um Deus nos acuda! Ele me mata! Vamos fazer assim, você paga, eu te dou meu endereço e depois você passa lá pra receber, é aqui pertinho. A moça com ar atabalhoado perguntou: _Como? A senhora quer que eu pague suas compras? Titia firme e muito séria respondeu: _Sim, paga que depois eu te pago. O operador do caixa que já conhece a figura há muitos anos, rolava na cadeira de rir. A fila crescendo, todos esperando a resolução do impasse. A moça desconcertada olhou para trás, todos aguardando. Alguém gritou que resolvessem logo a questão. A tensão pairava no ar. Por fim, sem saída, concordou: _ O.K !Depois a senhora me passa o seu endereço. Disse isso enquanto sacava da carteira. Todos respiraram aliviados. Titia então abriu a caixinha protetora do celular e deu um grito de alegria: _Nossa tinha esquecido, tenho uma nota de cem reais aqui! Mas, nem ela mesma resistiu e começou a rir desbragadamente (também adoro essa palavra) com cara travessa. A moça quando viu a esparrela que havia caído, caiu no riso, assim como todos no pequeno mercado.
Certo dia levantou-se cedo, seis da matina, arrumou-se e falou para o marido que estava indo fazer um curso para aprender a dar banhos em cachorros. Ele sem entender nada, ainda argumentou: _Banho em cachorro? Pra quê? E ela firme. _ Vou trabalhar em um Pet Shop, nunca trabalhei e meu sonho é dar banho em cachorro todos os dias! Pois bem, quando saiu de casa já a esperava o carro da auto-escola. Com seus cinqüenta e tantos anos havia se decidido a aprender a dirigir. Iniciou o curso e todo dia era a mesma ladainha... O marido reclamava, ela ignorava e seguia firme rumo ao objetivo. Foi uma festa o dia em que ela nos mostrou a carteira de motorista. Com seus quase sessenta anos conseguira ser aprovada. Esse foi um dos poucos dias em que eu quase a vi chorando. Quase... Por que o sorriso e a alegria de viver são suas marcas.
Mas eu tenho cá com meus botões, que ela na verdade não gosta de brincar, não... Ela gosta de fazer pequenos testes com as pessoas. Através dessas situações do dia-a-dia, verifica como estão os níveis de confiança, honestidade e generosidade dos indivíduos que a cercam. Será que o LULA, por exemplo, que segundo o OBAMA, “é o cara!”, passaria nesse teste do empório? E quantos maridos seriam aprovados no teste do pet shop? Com o seu bom humor ela testa e aprova ou reprova um monte de gente. Mas, a generosidade dela é tão grande, que nunca relata as experiências que não deram certo. Se Deus tivesse criado um mandamento, “não pandegueis”, sem dúvidas ela não respeitaria. Nem eu.

Eliane Brito é advogada, escritora e cronista. (eliane@rodovalho.com.br) Publicado no DM do dia 22-04-09. Com alterações.

Nenhum comentário: