quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O SINUOSO DA VIDA


Escrever... Muitos veem (sem acento) como arte, vejo como fatalidade. Uma espécie de predestinação. O Escritor nasce com essa compulsão, interpretar o mundo, as pessoas, os acontecimentos, entregando sua verdade e percepção para os seus semelhantes. O processo criativo se inicia muitas vezes com uma frase perdida em meio a uma conversa, com um flash do cotidiano. Desencadeia-se então, todo um procedimento levando a produção da crônica ou artigo. Essa idéia, ou “insight”, muitas vezes fica martelando por dias a nossa mente. Até que, exauridos, assentimos e dizemos: _Tudo bem! Vou entregar a mensagem! Porém, esse processo não é tão simples... Para isso, precisamos usar uma simbologia, chamada linguagem, para adequar nosso fluxo mental a um padrão inteligível para as outras pessoas... Aí é que começa o problema.
Muitos têm criticado essa reforma na Língua Portuguesa. E eu tenho que concordar com alguns aspectos. Por exemplo: Será que se traduzirmos (esse é o termo), um clássico, como Dom Casmurro, obra-prima de Machado de Assis, para os padrões linguísticos modernos, ele não se perderia? A obra não ficaria afetada em sua essência? Será que no momento que eu tento enquadrar o meu fluxo racional a um padrão que eu desconheço e que me exige todo um reoordenamento psicológico, eu não corro o risco de me perder? De simplesmente, não conseguir entregar a mensagem?
O Poeta Cristiano Siqueira, traduziu bem essa inadequação em seu poema “Amor e Técnica”. Diz assim: “Não sei se é bom ou ruim o que escrevo. Tanto não sei se é bom ou ruim ser eu mesmo. Minha escrita não procura por palavra serta. Nem percebe no verso qualquer arritmia. Meu verso é sina e me percorre nas veias o sinuoso da vida...” Com certeza todos compreenderam quando ele disse: “ Não procuro palavra serta...” Esse trocadilho inteligente nos mostrou que o mais importante é conseguirmos traduzir a ideia, o sentimento, sem se ater a formas gramaticais rígidas.
Essa reforma ortográfica nos exige todo um enquadramento linguístico (sem trema), que tolhe a criatividade e a espontaneidade. Criar é ser impulsivo, é revirar a mente até que surja a idéia nova, que vai germinar e renascer como uma visão particular do mundo. Simplesmente, utilizando os padrões que aprendemos desde a nossa infância e que já se incorporaram no nosso inconsciente.
A impreensão que fica é que, na sede de renovar, modernizar, a humanidade se atropela e altera modelos basilares, como nossa língua, atingindo o que temos de mais precioso. Compactuo com a resistência a mudança. Defendo que a língua deve apenas incorporar o novo, a palavra falada na rua. Não suprimir. Não se restringir para adequar a um ser humano que se diminui cada vez mais em sua escrita e em sua mente. Uma humanidade que está limitando seus códigos lingüísticos e a expansão mental que eles trazem.

ELIANE BRITO, é escritora, cronista, advogada. Autora do livro “Do pequi ao Sushi, crônicas de viagens.” eliane@rodovalho.com.br . Texto publicado no dia 05/02/2009 no jornal DM.

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