quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A LOUCA DA CAMISOLA.


Todos os dias tudo se sucedia da mesma forma. Ela acordava por volta de seis da matina e preparava os dois filhos para irem à escola. A menina de aproximadamente três anos e o menino de cinco. Colocava os dois no banco de trás do carro, prendia o cinto no mais velho, sentava a menor na cadeirinha especial e dirigia apressada, como todas as mães na manhã. Até aí pareceria uma rotina normal... Pareceria... Porém, alguns fatos destoavam. Primeiramente, ela jamais conseguira ser aprovada no teste para retirar a carteira de motorista. Depois de inúmeras tentativas, simplesmente desistira da preciosa carta. E assim, dirigia o dia inteiro desautorizada. Outro fato realmente peculiar é que realizava esse ritual sempre de camisola. Isso mesmo! Do jeito que levantava da cama, jogava um penhoar desbotado por cima da roupa de dormir e iniciava o dia.
Esse fato já a tornara lendária no prédio onde morava. Os vizinhos que saiam no mesmo horário sempre a ajudavam a carregar toda a tralha, a meninada e a se estalarem no carro. Sempre que alguém comentava algum assunto relacionado a ela, para se confirmar à identidade, alguém mencionava: _Você está falando de quem? É a mulher da camisola? Pronto. A identificação estava feita.
Certo dia acordou da forma habitual, correria, rosto inchado, sacolas, chupetas, lancheiras, vizinhos segurando as crianças (enquanto ela penteava os cabelinhos no elevador), amarrava o penhoar, etc. Tudo normal. Mas, como diz a bandidagem: _ Um dia a casa cai! Dirigia calmamente, enquanto escutava as notícias no rádio, distraída, quando visualiza uma Blitz da polícia militar. O guarda faz sinal, arrogantemente, para que ela encoste o veículo. Ela abaixa o vidro e o policial, com cara de poucos amigos diz:
_Habilitação.
_Não tenho não, seu guarda. Quer dizer, está em casa...
Respondeu defensiva.
_Documentos do veículo.
Ela olha em volta e percebe que esquecera na correria a bolsa onde guardava o mesmo. Responde sucinta:
_Esqueci.
O guarda retruca:
_A senhora por gentileza queira descer do veículo.
Enquanto isso, a menina já começara a chorar em altos brados... Gritando a plenos pulmões. Mamãe!!! Mamãe!!!
Ela sem saída desce do veículo. O guarda perplexo fala:
_A senhora está de camisola!
Ela respondeu apenas:
_Pois é!
_Bem, sinto muito mais vou ter de apreender o veículo. Falou taxativamente enquanto começava a lavrar um termo no bloco de anotações.
Ela ainda argumentou, pediu, explicou que levava as crianças para a escola. Tudo em vão. O guarda impassível escrevia sem sequer olhar em seu rosto. Quando acabou de preencher o termo falou:
_A senhora, por gentileza assine aqui.
Ela nervosa assinou. Implorou novamente. Ele com cara de poucos amigos. Quando viu que não tinha mais jeito, entrou no carro, despediu-se dos filhos com um beijinho, desceu decidida e falou:
_Então, tá certo! Pela placa do veículo o senhor pega o meu endereço e entrega as crianças lá em casa, viu? Leve depois das cinco da tarde, porque agora eu vou trabalhar.
Falou isso enquanto virava as costas e começava a andar. O pobre policial ficou em estado de choque. Com a voz esganiçada, exclamou:
_Espere! A senhora vai embora e vai largar os seus filhos aqui?
Perguntou chocado.
Ela respondeu:
_É claro! Eu moro a uns dez quarteirões daqui. Estou sem bolsa, sem dinheiro e sem carro, de camisola e com duas crianças. O senhor acha que eu vou caminhar, uma distância dessas, carregando esses bebês? De jeito nenhum. O senhor os entregue lá em casa depois...
O policial começou a correr atrás dela desesperado, gritando:
_ Calma! A senhora não pode fazer isso...
Ela parou com as mãos na cintura e perguntou?
_O quê o senhor sugere?
Ele já contemporizando falou:
_Vamos fazer assim... a senhora me promete que não sai mais sem habilitação e eu vou lhe liberar o veículo. Ela ainda pensou uns segundos antes de concordar.
_O. K! O senhor encontrou uma ótima saída.
Cumprimentou-o.
O policial lhe devolveu as chaves, ela se despediu com um aceno rápido enquanto se afastava.
Por incrível que pareça nunca chegou uma multa em sua casa.

ELIANE BRITO é Cronista, Escritora e Advogada. eliane@rodovalho.com

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