segunda-feira, 23 de março de 2009

Uma vida para Penélope


É uma ironia do destino que ela se chamasse Penélope. Tão charmosa, voando pelos ares com suas tranças. Quando era criança, a personagem de meu desenho animado predileto também se chamava assim. Era uma heroína, como nossa Penélope. Porém, ela sempre se salvava, sempre dava um jeito de se livrar do “Tio Gavião”, com a ajuda do “esquadrão da morte”. Sobreviver no Brasil é um ato de enorme heroísmo. O que concretamente qualquer criança pode esperar de nosso País? Ser testemunha de uma selvagem violência doméstica? Ser violentada por um padrasto qualquer? Ser espancada e torturada por algum adulto insano? Uma bala perdida? Ou na melhor das hipóteses, transformar-se em uma analfabeta funcional?
O desrespeito, a violência e a selvageria no Brasil, sempre foram situações recorrentes. Porém, esse quadro tem se agravado. Agora, a todo minuto temos notícia de crianças envolvidas em toda espécie de barbárie. A pergunta que explode no ar é: _Onde está o poder público? O que o estado têm feito para proteger nossos pequenos brasileiros?
Segundo os especialistas estamos em crise econômica. Entretanto, a pior crise que se alastra na sociedade é a moral; é a crise do abandono; é a crise da inércia do poder público. Que só age por provocação e para sanar situações emergenciais.
Faço um exercício de abstração para tentar visualizar o futuro de nossa heroína. Caso ela crescesse em um mundo ideal, ela viveria em uma casa simples, porém confortável, em que o pai e a mãe conviveriam em harmonia. O pai estaria empregado em uma grande empresa, que lhe garantiria assistência médica, inclusive para detectar algum problema psicológico. Todo o dia Penélope iria para a escola pública. Esse era o momento mais feliz do dia. Iria caminhando por ruas limpas e policiadas, até chegar ao prédio bem conservado, com biblioteca, sala de jogos, salas de aula com carteiras confortáveis e até computadores. E a merenda? Era uma delícia... Feita de produtos frescos e dentro do prazo de validade. À noite, quando voltava para casa, o pai fazia questão de lhe ler uma história antes de dormir.
Quantas crianças nesse momento, não gritam presas em seus “porões”, clamando por ajuda, sem que, nenhuma mão lhe seja estendida. Na teoria do direito, o estado é definido como a grande mão. Detém o poder, personificado por uma mão que alcança todos os recantos da sociedade. Observamos essas garras, porém, sempre estendidas para recolher os impostos, para depenar o contribuinte com uma das maiores cargas tributárias do mundo, sem a contrapartida esperada.
Quase tenho de concordar com o Ministério Público... Talvez fosse melhor que o seu avião, Penélope charmosa, tivesse sido abatido nos ares. Essa medida coroaria brilhantemente o papel do estado em nossa sociedade. Talvez, nesse circo de horror, fosse à providência que faltava para mostrar a verdadeira face do nosso poder público. A face do despreparo, do desrespeito e da incompetência. Que pena Penélope! Que pena que você não conseguiu derrotar o “Tio Gavião” da história e se safar ilesa.

ELIANE BRITO é Advogada, escritora, cronista, autora do livro “Do pequi ao Sushi- Crônicas de Viagens”. eliane@rodovalho.com.br Artigo publicado no DM do dia 23-03-2009.