sexta-feira, 21 de maio de 2010

AUTO-TERRORISMO PSICOLÓGICO

São incomuns os casos de câncer em minha família. Excetuando uma tia, que desenvolveu um câncer de ovário e que agora está totalmente curada, não me recordo de mais nenhum caso. Mesmo assim, quando comecei a sentir uma dor aguda e persistente na mama direita, senti um medo enorme apoderando-se de minha alma. Passei uma noite em claro, pela dor e pelo terror psicológico, alimentados por mim. Não disse nada a ninguém e no dia seguinte pela manhã, segui para o consultório médico. A médica pediu todos os exames de rotina, ultra-sonografia, mamografia e eu insisti que ela pedisse uma ressonância magnética, pois não queria me arriscar. Três dias para fazer os exames, quatro aguardando os resultados. Vivi em suspenso durante uma semana.

Porém, deve ter sido uma das semanas mais profícuas de minha vida. Passei uma tarde inteira dentro de uma livraria, comprando todos os livros que tinha direito sobre o câncer. Descobri em profundidade o mecanismo da doença e como ela se desenvolve. Descobri as dietas recomendadas e fiquei até feliz, pois, uma série de prescrições recomendadas aos pacientes com câncer eu já sigo rotineiramente em minha vida. Por exemplo, uma coisa que me surpreendeu é que a maioria dos médicos recomenda que o paciente pratique uma atividade física, de médio a alto impacto. Isso para mim já é rotineiro. Recomendam que consuma-se pouca ou nenhuma carne, ponto pra mim. Pouco açúcar, ponto pra mim. Muitas verduras e frutas, ponto pra mim. Nada de álcool, ops!

Às vezes ficava até animada olhando as indicações, mas, a dorzinha ali me lembrava de que algo estava errado. Além do que, minha mente se recusava a alimentar pensamentos positivos. Meu cérebro trabalhava numa zona cinzenta, afastando todo e qualquer pensamento cor-de-rosa. Literalmente, eu trabalhava contra mim.

Chegava à noite em casa e começava a faxinar. Arquivei documentos, etiquetei, coloquei datas, organizei fotos, preparando tudo para, caso eu faltasse, deixar organizadinho. Comprei um monte de álbuns de fotografia e organizei uma caixa de fotos, que ficava guardada, etiquetando até por ano e mês cada evento. Como chorei! Nossa! Olhando minha vida desfilando ali, nas fotografias: minhas filhas bebês, batizados, aniversários, viagens, chorei horrores... Como a simples ameaça de adoecer ou até morrer, mexeu com minha cabeça... Discretamente, eu que não cozinhava há alguns anos, comecei a levar minhas filhas para a cozinha e ensinei-lhes a preparar pratos simples, como arroz, bife, macarrão. Vai que elas precisassem cozinhar no futuro?

No dia marcado fui buscar os resultados. Peguei os envelopes e com as mãos tremendo, corri para o estacionamento da clínica, tranquei-me dentro do carro e abri o envelope grandão da ressonância. Sei que isso é errado, mas, não resisti. Li, reli, respirei fundo e não entendi nada. Só a palavra “normal”, saltava da folha branca. Parece que está tudo bem, pensei... Abri os outros, “normal”, “normal”. Fiquei ali, mole, sentindo toda a tensão dos últimos dias esvair-se. Não é possível, e essa dor? Quando mostrei os resultados para a médica ela me perguntou se eu havia praticado alguma atividade física nos últimos dias. Lembrei que havia nadado muito. Ela então concluiu que era um trauma muscular, sem grandes conseqüências.

Saí do consultório radiante! De alguma forma, havia ganho uma nova chance e nesse processo, aprendera a valorizar minha vida, as pessoas que amo, minha saúde, as coisas simples do dia-a-dia. Descobri que quando sentimos uma ameaça à vida, ninguém pensa em bens materiais, posses, etc. Só nos lembramos das pessoas que amamos. Da vida, realmente, só levamos o amor. Grande, imenso e profundo.



ELIANE BRITO, é escritora, cronista e advogada. eliane@rodovalho.com.br

2 comentários:

LUCIANE BERNARDES disse...

Eliane, eu estou vivendo este pesadelo, chamado câncer de mama, e sei da angústia de esperar e do desespero que sentimos ao abrir o envelope.
mas já retirei o meu tumor e estou fazendo quimioterapia e estou muito bem: I will survive!!!
Realmente descobrimos o prazer em coisas inusitadas e simples.
Que bom que conseguistes perceber isso antes de adoecer.
grande abraço,
Lu

Crônicas de Eliane Brito disse...

Luciane, sua força é sua vitória. Oro por você! Não desanime jamais! Um grande e carinhoso beijo! Eliane Brito!