terça-feira, 12 de maio de 2009

“MÃE, amor incondicional.”

"Batatinha quando nasce,
se esparrama pelo chão,
mamãezinha quando dorme
põe a mão no coração."

O ano era 1984. Na época eu era uma adolescente atrevida de quatorze anos. Cara a cara com minha mãe eu a desafiava. Com a mala pronta, preparava-me para deixar a cidadezinha onde havia crescido e mudar para Goiânia. Iria cursar o segundo grau. Mamãe com voz chorosa pedia para que eu não fosse; que continuasse estudando ali e mudasse só por ocasião da faculdade. Eu irredutível. Argumentava com convicção: _Mãe, coloca uma coisa na sua cabeça, minha vida nunca vai ser igual a sua, está entendendo? Você acha que eu vou passar minha vida sendo uma mera “dona de casa”? Falei com ar desdenhoso. Ela cabisbaixa somente respondeu: _ Tenho muito orgulho de ser dona de casa! Com um olhar profundo e triste me fitou e disse: _ Está bem, minha filha, vai com Deus! Peguei a mochila joguei nas costas e puxando a mala, segui, sem olhar para trás.
É incrível como passei tantos anos da minha vida perseguindo esse objetivo. Ter uma vida diferente de minha mãe... Em minha superioridade, me policiava até para não repetir gestos ou trejeitos típicos dela. Como podemos ser tão cegos para não perceber os anjos que Deus coloca em nosso caminho. Durante minha vida despedi muitas vezes de minha mãe e essas cenas me marcaram. Lembro-me de sua expressão de terror quando, me despedia dela em particular, antes de cada parto. Deitada na maca sempre falava a mesma coisa: _Mãe, se eu morrer cuida das minhas filhas! E ela passava a mão na minha testa e dizia você não vai morrer não... quando você sair eu estou aqui te esperando. Deus te abençoe! Bastavam aquelas palavras para eu me sentir mais forte. Palavras que dissipavam o medo.
Minha vida é como um mar turbulento. A de minha mãe plácida, contemplativa, como um lago. Nunca vivenciou a maioria das coisas pelas quais lutei. Aprendi a andar de bicicleta quando criança e ela comentava com todos orgulhosa, nunca aprendera... Aprendi a nadar, ela ali, me aplaudindo. Tinha pavor de água. Aprendi a dirigir, ela andava ao meu lado toda orgulhosa. Nunca veio a aprender. Quando me formei, o único olhar da platéia que me interessava era o dela. Estava ali, com os olhos marejados de lágrimas. Levantei o canudo e sacudi em sua direção. Afinal, o diploma era mais dela do que meu. Quando recebi meu primeiro salário. Fiz uma festa! Ela bebeu até uma taça de vinho... Ao contrário de mim, não bebe nunca! Eventos, recepções, minha mãe lá... assando bolo, polindo os móveis, me recebendo sempre com um quitute, um mimo. Viajei, rodei mundo, ela ali, firme, administrando minha casa, cuidando de minhas filhas, orando para que Deus guardasse os meus caminhos.
Nesse ínterim fui relaxando. Fui deixando que ela sobrevivesse dentro de mim. Que os seus exemplos e ensinamentos crescessem em minha vida. E hoje, olhando minha história, vejo o quanto tenho dela. Quando deito minhas filhas no colo e faço um cafuné, não sou eu que está lá, é ela. Quando faço um jantar gostoso e fico fiscalizando em volta da mesa, repondo os pratos vazios, ela está nos meus gestos. Quando minhas filhas saem para a balada e eu acendo uma vela para Nossa Senhora, será que sou eu mesma quem acendo? Quando aconselho, chamo a atenção, às vezes posso vê-la falando pela minha boca. Ela faz parte de mim, é inegável. E as cenas vão se repetindo e recriando. Há pouco tempo atrás, quando ela foi passar por uma cirurgia, estava na maca para ingressar no centro cirúrgico, olhou nos meus olhos e falou: _filha, estou com medo de morrer! Se eu morrer, você cuida do seu pai... Eu senti um pavor tremendo quando ela disse isso, mas, me controlei e respondi com segurança enquanto passava a mão na sua testa: _Mãe, você não vai morrer, não... Quando você sair eu estou aqui te esperando. Vai com Deus! E assim fiz.
Hoje, penso em como seria rica, se tivesse tido uma vida exatamente como a de minha mãe. Vida que se nutriu nas paredes do lar, no relacionamento profundo com os filhos, no cuidado, no amor incondicional. Minha vida de mulher moderna me roubou algumas dessas coisas. Deu-me outras é certo... Mas, algumas experiências que ela viveu eu jamais vou viver e lamento... Somente por hoje quero ser poetisa e escrever o poema mais sublime, feito de uma só palavra, a mais perfeita que existe. Mas, antes vou enfeitar esse poema com cobertores quentinhos, sopas gostosas, cafunés, sonhos realizados, sorrisos, lágrimas, vick vaporub, compressas quentes, pavês, biotônico fontoura, cantigas de roda, assombrações e muito, muito amor. Esse poema tão especial se escreve assim: “MÃE”.

ELIANE BRITO, é advogada, escritora, compressas cronista e a filha mais orgulhosa do mundo. (eliane@rodovalho.com.br) Publicado na revista M.F.

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