terça-feira, 13 de janeiro de 2009

RIO SUCURI



Fiquei parada alguns minutos, respirando profundamente olhando as águas tépidas e transparentes do rio Sucuri. Estava em Bonito- MS e me preparava para flutuar em um dos rios mais cristalinos do mundo. Tudo seria perfeito, se os instrutores, não tivessem me confessado que realmente existem ali, cobras sucuris, mas, que elas nunca atacavam... Porém, aquilo não me consolava.
Estava apreensiva. Vestida com a roupa preta de Neoprene, calçando botas especiais de borracha, para resguardar os pés de alguma rocha mais cortante, não me sentia protegida. Sabia que se sofresse um ataque, aquele aparato todo não adiantaria nada. Percebendo isso, os responsáveis pela aventura, se aproximaram e me deram algumas informações sobre os hábitos do ofídio. Disseram que ali o ecossistema era equilibrado, com oferta abundante de alimentos o que fazia com que há muitos anos não houvesse ataques. Além do mais, um biólogo esclareceu-me que a sucuri e a maioria dos animais não gostavam da carne humana . Fiquei até um pouco indignada e perguntei o por quê? Afinal, seria assim tão ruim... Ele brincou que o gosto não deveria ser bom. Somente atacavam se acuados ou ameaçados e caso existisse um grande desequilíbrio ecológico. Uma das instrutoras brincou que seria uma grande honra se a cobra passasse nadando na nossa frente. Se mostrando em toda sua magnitude. Eu fiz o sinal da cruz. Deus que me livre! Pensei.
Nessas horas questionamos todos os nossos conceitos sobre proteção ao meio ambiente. Quando pensamos nessa idéia, o que nos vem à cabeça é salvar as baleias, as ararinhas azuis. Animais bonitos e totalmente inofensivos. Quem encabeçaria uma campanha pela proteção das sucuris ou dos tubarões brancos? Na verdade defendíamos apenas o que não representava uma ameaça imediata. Mas, percebi que o direito á vida e a sobrevivência é muito mais amplo. Envolve todos os seres. Inclusive os predadores. Lembrei-me dos ensinamentos hindus, que pregam que todas as formas de vida são sagradas e exercem uma função importante na natureza.
Esse sentimento de respeito pelo palco abençoado do mundo me ajudou a ingressar no rio. Coloquei o Snorkel e respirando pelo estreito tubo, iniciei a descida. Pediram para que não fizesse movimentos bruscos e não tocasse de forma nenhuma no leito. Isso, para não levantar pedras ou cascalhos que atrapalhassem a visão. Emergi por alguns minutos e uma companheira de descida falou, reforçando meu medo: -“que nada! Não devemos tocar o fundo para não pisar na cobra, se você pisar nela, já era...! Estremeci. A tensão fazia com que todo meu corpo doesse. Procurei nadar o mais próximo possível da face do rio. Porém, aos poucos a magia do ambiente aquático foi me dominando... As águas eram cálidas e transparentes devido ao solo da região, riquíssimo em calcário, que funciona como um filtro natural depurando as impurezas, deixando as águas cristalinas. A quantidade de peixes coloridos e exuberantes era incrível. Dourados, piramutabas, pacus, faziam a festa em meio às pedras e aos corais. Lembrei-me que ali também era o habitat dos jacarés e das lontras, que, em caso de descontrole ambiental também podiam agredir aos seres humanos.
Em alguns pontos, o lençol freático que alimentava toda aquela maravilha, aflorava e formava pequenos vulcõezinhos de areia e água, jorrando das profundezas da terra o precioso líquido. Era um espetáculo realmente fascinante. Em determinado ponto, o guia, no barco de apoio que acompanhava o grupo, pediu que nadássemos rápido, em silêncio absoluto e o mais próximo possível da superfície. Coloquei a cabeça para fora da água e observei um guarda, parado em um ancoradouro, com os olhos fixos no rio, com um lança de madeira na mão, parecida com um arpão e uma espingarda encostada ao lado. Passei por esse ponto com a respiração suspensa. Minha intuição me dizia que ali, naquele local, deveria ser a toca do bicho. Nem sei como consegui prosseguir... O sentimento era do mais puro terror.
Quando chegamos ao final do percurso de aproximadamente três quilômetros, a sensação geral era de alívio e deslumbramento. A natureza era perfeita. Comecei a lamentar que a cobra não tivesse aparecido. Teria sido a cereja em cima do bolo... O gran finale, o toque mágico e perfeito para todo aquele esplendor! Argumentaram que eu só estava falando isso por que estava fora da água... Ameaçaram-me jogar no rio de volta e eu me esquivei correndo... Todos gargalharam... Quando estamos longe do perigo é mais fácil manifestar coragem. A conclusão que tiro é que aprendi a respeitar um pouco mais a vida dos animais. Com uma ressalva, eles lá e eu aqui.

ELIANE BRITO.
É escritora, cronista, advogada, autora do livro “Do pequi ao sushi- crônicas de viagens”. (eliane@rodovalho.com.br)

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