terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

CIDADELA DE MACHU PICHU


Céus, como pode existir tanta beleza? De um ponto privilegiado observava a montanha de Machu Pichu, que quer dizer “montanha velha” e lutava para respirar. A Altitude não ajudava e também a longa escadaria que havia subido para chegar até ali. Mas, olhando a paisagem não me arrependi, valera a pena! A impressionante cidadela se desdobrava aos meus pés, encravada na velha montanha, que se abria e estendia-se na paisagem, criando uma espécie de vale suspenso onde as construções se apoiavam. Alguns já a chamaram de “cidade perdida dos Incas”, mas, os andinos que eu conversara, me afirmaram que a verdadeira cidade ainda não foi descoberta. Está escondida em algum lugar da Amazônia, talvez até no lado brasileiro. Dizem que ela é feita toda em ouro e em pedras preciosas. Para os Incas o ouro são as lágrimas do Sol e a prata, o choro da lua.
Essa cidadezinha, construída caprichosamente por esse povo, é considerada um santuário histórico. Uma das sete maravilhas do mundo. E ali, observando o verdor das montanhas, com moitas ocasionais de flores em diferentes matizes, com nuvens passando tão rápidas sobre minha cabeça - que quase se poderia tocar - senti em todo meu corpo como aquele local era especial. O título de cidadela se justifica, pois, a mesma é guardada por quatro montanhas, a que a abriga e as outras três, garantindo a privacidade e a segurança. Ofegante, retirei algumas folhas de coca do bolso e comecei a mascar, tal quais os cusquenhos, enquanto sentava-me e observava a paisagem, jogando o ar frio nos pulmões.
Quando chegara a Cuzco, no vale de huatanay, ou vale sagrado, em uma manhã fria de janeiro, já me deslumbrara no avião com a paisagem Andina. As majestosas montanhas se projetavam para o céu, como se quisessem ferir as nuvens. Algumas de forma caprichosa e requintada, ostentavam em seus cumes uma cobertura de neve. Volta e meio um lago verde e profundo quebrava a simetria da paisagem. O chá de coca era um santo remédio nessa altitude (estava a mais de três mil e quatrocentos metros de altura). Descobrira isso de imediato. Quando pisara em solo a pressão atmosférica repercutira como um leve zunido nos ouvidos. A Cabeça começou a latejar, um estranho aperto comprimia o peito, estava ofegante. E a sabedoria milenar já ensinava, nenhum remédio seria capaz de aliviar esses sintomas. Somente a “hoja de coca”. Que não é droga e tem um efeito infinitamente mais suave que a cocaína, essa última, seria como o extrato da folha potencializado em milhares de vezes. Foi um bálsamo quando o atendente do hotel, antes mesmo de me cumprimentar, me ofereceu uma xícara bojuda do precioso líquido. Tomei sofregamente, na tentativa de amenizar os sintomas. Tinha gosto de mato, mais nada. Após alguns minutos meu corpo começou a se estabilizar. Os nativos sabiam que esses males poderiam se agravar e se transformar no “Sorochi”, ou mal das alturas. E, por isso eram firmes na orientação de que tomássemos a bebida.
Deixando de lado essas digressões, concentrei-me em observar as edificações. Minha atenção foi atraída por uma grande pedra que se destacava, centralizada em um pátio. Tratava-se de um observatório astronômico. Ali, os sacerdotes incas, observavam o céu e anotavam com precisão todos os eventos celestes, desde os eclipses (o mais temido), até os cometas, órbitas de planetas, etc. O objetivo da pedra era muito simples. Quando havia algum eclipse, eles por medo de que o sol não retornasse, sacrificavam a mais preciosa oferenda, “uma virgem do sol”, moças preparadas à vida inteira para esse momento, com educação e alimentação diferenciadas. E o interessante é que essa pedra ficava postada exatamente de frente para o nascimento do astro. Quando ele emergia entre as montanhas, incidia diretamente ali. O sol recebia o nome de “inti” em Quéchua, o idioma incaico e era o Deus mais importante.
Fiquei ali, um pouco aturdida, sentindo o Deus em minhas faces e agradecendo por aquele momento único. Meu coração parecia um tambor no peito, batendo forte em admiração e respeito por aquele povo. Que, vivia em integração com a natureza, com engenhosidade e sabedoria, que agradecia pelo alimento, pela grande dádiva viver nesse planeta. Que, sabia que não existimos separados da natureza. Que a vida se processa de forma integrada e que nós somos apenas uma parcela da criação. Ali, naquele momento, pensei que realmente acredito que ainda não se encontrou a verdadeira cidade perdida. A verdadeira Machu Pichu. Simplesmente, por que ela está dentro de nós. Para se chegar até ela o passaporte é o amor e a pureza de alma. Por isso ela se perde nas brumas e a humanidade caminha em escuridão, decaída, sem saber que direção seguir. Sem saber como alcançar pensamentos puros como a luz, que nos encaminhem para essa cidade de ouro.

ELIANE BRITO é escritora, advogada. eliane@rodovalho.com Publicado no Dm do dia 01/01/2010

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